Grandes Clássicos - Botafogo x Fluminense 1957
Olá amigos do FUTEBOLA!
Semana de carnaval e de futebol no Rio de Janeiro. Enquanto de um lado o Flamengo levou uma sacolada do surpreendente Resende em uma das semi-finais da Taça Guanabara, do outro lado vai ocorrer mais um “Clássico Vovô”. Fluminense e Botafogo já duelam faz centenas de anos. São mais de 300 partidas. Entre tantos confrontos especiais, um se sobressai. O jogo da última rodada do Campeonato Carioca de 1957 assombrou o Rio de Janeiro. Um gênio iniciava sua consagração. Um time começava a fazer história.
O Campeonato Carioca de 1957 se apresentava com um equilíbrio gigantesco entre os quatro principais concorrentes ao título. O Vasco levantara o último troféu e contava, em sua defesa, simplesmente com a dupla Bellini e Orlando, os futuros defensores titulares da conquista da Copa do Mundo de 1958 pelo Brasil. A solidez defensiva da equipe contrastava com a mobilidade ofensiva. A velocidade imprimida pelo perigosíssimo ponta Sabará e pelo jovial, genial e genioso Almir Pernambuquinho era incrível. Para finalizar as rápidas jogadas, o time cruzmaltino contava com Pinga, nada menos do que o maior artilheiro da história da Portuguesa (SP). Se o ataque vascaíno era forte, o do Flamengo não ficava nem um pouco atrás. Acompanhem. Na ponta-direita, o cerebral e preciso Joel. Na ponta-esquerda, o inteligente e dinâmico Zagalo. Na armação, o técnico e habilidoso Moacir. Na finalização, o rápido e mortal Dida. Querem uma semelhança entre estes quatro jogadores, além de serem rubro-negros? Todos eles estavam no elenco Campeão Mundial pela Seleção Brasileira, no ano seguinte, na Suécia. Flamengo e Vasco realizaram algumas excelentes atuações no Cariocão de 1957, porém acabaram ficando para trás, terminando, respectivamente, nas terceira e quarta colocações.
Como mais um demonstração do equilíbrio existente entre as equipes, o campeonato chegou até a última rodada sem vencedor. Fluminese e Botafogo ainda possuíam chances de conquistar o caneco e se enfrentariam, em um duelo decisivo, no Maracanã. Por ter um ponto de vantagem, o Fluminense podia apenas empatar a partida para ser campeão. Ao Botafogo só a vitória interessava. Quais eram os pontos fortes das duas equipes? Quais as armas que os fizeram deixar sem chances de conquistas Flamengo e Vasco, que haviam vencido juntos os últimos 5 títulos estaduais ( Vasco em 52 e 56. Flamengo tri-campeão 53/54/55 )?
O Fluminense chegava para a partida, em dezembro, buscando fechar o ano com mais uma conquista importante. Em junho a equipe havia vencido o torneio Rio-São Paulo de maneira avassaladora, sem perder sequer um joguinho. A força da equipe era o conjunto. Como se dizia na época: “A equipe tricolor não tem cobras”. Mas era um conjunto de qualidade incrível, treinado pelo excelente Pirillo, que tem no currículo a honra de ser o primeiro treinador da Selação Brasileira a convocar Pelé. Se todo grande time começa por um grande goleiro, o Fluminense começava da melhor maneira. Defendendo a meta tricolor, ninguém menos que Castilho. Muitos diziam ser, o goleiro, um santo, tamanho os milagres que ele realizava e sua sorte. Quando ele não conseguia defender o indefensável, a trave sempre estava do seu lado. Se fosse possível entrevistar uma baliza, tenho certeza que ela responderia ser Castilho seu melhor amigo. Além de sua qualidade, ele contava também com um amor incondicional pelo Fluminense. A história mais famosa de sua paixão pelo tricolor ocorreu em 1959. Irritado por uma lesão crônica no dedo mínimo da mão esquerda, ele foi conversar com o médico do clube. Após o bate-papo com o doutor, descobriu que a melhor solução para retornar rapidamente aos campos era a amputação de parte do dedo. Castilho não pensou nem duas vezes e seguiu o conselho do médico. À frente de Castilho, uma muralha. Antes de ficar cara a cara com o goleiro tricolor, era necessário passar pelo defensor Pinheiro. O experiente ( havia sido titular da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1954 ), forte e viril zagueiro era a segurança em pessoa.
O sistema ofensivo tricolor possuía dois comandantes. Na organização das jogadas, Telê Santana mostrava que a ponta-direita era sua posição apenas no papel. Na finalização das jogadas, Waldo parecia um exército de um homem só, tamanho o seu poderio ofensivo. Com o maior orgulho do mundo, deixarei as palavras com Nélson Rodrigues e Mário Filho, os dois irmãos que são os mais importantes nomes da história do jornalismo esportivo do país.
“Telê trouxe uma nova medida do tempo para o futebol. É, de algum modo, o ponteiro dos segundos, o que não pára. Os outros são, quando são, o ponteiro dos minutos...Telê não cansa. E o espantoso é que não cansa nunca, esse fiapo de jogador que não para nem quando a bola está fora.” – Mário Filho no livro “O Sapo de Arubinha”.
“Tremendo esse Waldo! Muitos craques brasileiros sofrem, no estrangeiro, de tremendo descontrole emocional e jogam pedrinhas. Waldo, não. Em Niterói, na Patagônia ou na Groenlândia, é o mesmíssimo monstro do gol.” – Nélson Rodrigues no livro “O berro impresso das manchetes”.
Acredito que, após as palavras destes dois gênios da literatura, a força ofensiva tricolor está perfeitamente explicada. Telê tentava de todas as maneiras possíveis e impossíveis preparar a redonda para Waldo só ter o trabalho de empurrar para o fundo do gol. Assim o Fluminense havia conquistado o Rio-São Paulo. Assim o Fluminense chegava para o jogo decisivo contra o Botafogo.
O Botafogo confiava, para esta decisão, no que se tornaria um dos maiores trios da história do futebol mundial. Em cada setor do campo o Botafogo tinha um jogador do mais alto nível. Na defesa Nílton “Enciclopédia” Santos, para muitos o maior lateral-esquerdo que o mundo já viu. Neste time botafoguense de 1957, Nílton era a voz da experiência. Poucos sabem que na fatídica derrota do Brasil para o Uruguai na Copa do Mundo de 1950, conhecida como Maracanazzo, ele fazia parte do elenco brasileiro. Ou seja, desde o início da década já era figurinha da Seleção Brasileira. E sobre sua técnica? Fica difícil até arrumar palavras para descrever. Sua tranquilidade e categoria eram tão grandes que, se tivesse que ir a um casamento após um jogo, poderia jogar de terno e gravata e, após o apito final, ir direto para a igreja. Roubava bolas sem precisar de carrinhos, malabarismos ou afobação. Na verdade, deveria sempre jogar de trajes finos, tamanha sua elegância. Sua qualidade não o deixava ficar preso na defesa e muitas vezes partia para o ataque, mostrando ser realmente um jogador único naquele tempo onde laterais não ultrapassavam a linha central. No meio campo, o alvi-negro possuía técnica, classe, distinção, visão de jogo, passe perfeito e chute indefensável. Sabe o que é mais incrível? Todas estas qualidades pertenciam a apenas um jogador. No mundo inteiro era difícil encontrar alguém com tantos atributos quanto o “Príncipe Etíope” Didi. Alguns torcedores, principalmente dos outros clubes, diziam que ele não corria muito em campo e confundiam sua calma com falta de garra. A sua tranquilidade não o impedia de ser um jogador raçudo e decisivo, como mostrou ser inúmeras vezes, seja no clube ou na seleção.
No ataque botafoguense, mais especificamente pela ponta-direita, encontrava-se aquele que talvez seja o jogador mais querido da história do futebol. Nada poderia o definir melhor do que “A Alegria do Povo”. Falo de Manoel dos Santos. Falo de Garrincha. É importante ressaltar que, naquele ano de 1957, Garrincha ainda não tinha todo o status e importância que o coloca entre os maiores jogadores de todos os tempos. Naquele ano, não eram raros os jornalistas, treinadores e torcedores que o consideravam muito individualista e irresponsável. Na verdade, os que criticavam o Mané eram, em sua maioria, aqueles que ainda estavam assustados com o que ele fazia em campo. Garrincha era diferente de tudo que fora visto em mais de 50 anos de futebol no país. Nunca ninguém havia feito nada semelhante ao que ele mostrava nas quatro linhas. Como alguém era capaz de aplicar o mesmo drible dezenas de vezes e não perder a bola? Como um zagueiro alto, forte e privilegiado fisicamente poderia ser ultrapassado seguidamente por um jogador com as pernas tortas? Se muitos duvidavam dele, o lendário treinador João Saldanha estava cheio de otimismo e confiança por tê-lo na equipe.
João Saldanha era dirigente botafoguense até as vésperas do início do Campeonato Carioca de 1957, quando assumiu o cargo de treinador da equipe. Durante o tempo que trabalhou como técnico alvi-negro, sempre teve que enfrentar o problema do pequeno período para treinos. O Botafogo era um time requisitado para amistosos internacionais, se tornando mais famoso ainda após a Seleção Brasileira conquistar a Copa do Mundo de 1958, e se existiu um treinador que soube contornar este problema foi João Saldanha. Todos que conheceram seu trabalho dizem que suas orientações, para seus jogadores, eram as mais simples possíveis, sem nunca embolar a cabeça dos seus orientados. Para este duelo final contra o Fluminense, João foi direto: bolas para Garrincha na direita e todos na área para concluir os cruzamentos do Mané. Você deve estar pensando que João Saldanha era apenas um técnico comum, já que uma orientação desta qualquer um faria. A genialidade do treinador foi mostrada com outra ordem. Ordem também simples, porém, muito estranha. O grande atacante e goleador Quarentinha (se tornaria no futuro o maior artilheiro da história do Botafogo) teria a missão de grudar em Telê Santana. Saldanha sabia que o Fluminense era uma máquina onde a peça principal era Telê, que precisaria ser anulado em campo. Com esta tarefa defensiva que Quarentinha deveria exercer, as finalizações das jogadas ofensivas do Botafogo seriam realizadas, principalmente, pelo outro atacante, o valente Paulo Valentim. Seria Quarentinha capaz de marcar um jogador tão dinâmico como Telê Santana? Garrincha sentiria a responsabilidade de ter um time todo dependendo de suas jogadas? Com Quarentinha preso por tarefas defensivas, Paulinho Valentim seria capaz de fazer os gols necessários para sua equipe conquistar a vitória? Só o apito final do juiz responderia estas perguntas.
O dia 20 de dezembro de 1957 estava prestes a entrar para história. O Maracanã lotado de torcedores ansiava conhecer o novo Campeão Estadual. Dez entre dez presentes ao estádio esperavam um jogo equilibradíssimo. Tanto o mais fanático botafoguense, quanto o mais fervoroso tricolor, aguardava o apito inicial com os nervos a flor da pele. O jogo começa e, surpreendentemente, com menos de três minutos, após um bate-rebate na área tricolor, Paulo Valentim empurra a bola para as redes. Fogão 1 a 0. Apesar do gol inicial, a partida seguia dura. Ora era uma bela defesa do goleiro alvi-negro Adalberto, ora um milagre de Castilho. Se ambos os torcedores não tinham mais unhas para roer, os tricolores ganharam motivos de sobra para arrancar os cabelos. Após cruzamento de Garrincha, Paulo Valentim marca seu segundo gol aos 30 minutos. Acabando o primeiro tempo, os tricolores tinham a esperança de que o treinador Pirilo consertaria tudo no vestiário. A esperança não duraria muito. Faltando três minutinhos para o intervalo, Nílton Santos faz um perfeito cruzamento para área e Paulo Valentim mostrou que era iluminado. O atacante alvi-negro, em uma linda bicicleta, coloca a bola no fundo das redes de Castilho. Inacreditável. 3 a 0! Garrincha estava intocável, impecável, inexplicável. Paulo Valentim mostrava, além da sua habitual garra, um repertório de finalizações de encantar. E o jogo estava apenas na metade.
O segundo tempo iniciou e logo o Fluminense diminuiu o marcador com Escurinho. Seria o gol da reação? Menos de 5 minutos se passaram e Paulo Valentim, uma vez mais, provou que não ao marcar mais um tento. O Botafogo colocava a segunda mão no troféu, com o placar mostrando 4 a 1. Pouco após este quarto gol marcado pelo alvi-negro, uma cena histórica ocorreu. Telê Santana apareceu no jogo. Não, ele não fez uma boa jogada. Quarentinha não deixava-o tocar na bola. Telê apareceu ao trocar agressões com seu ex-companheiro de Fluminense Didi, no círculo central. O motivo das agressões o própio Telê contaria, anos mais tarde, em relato ao escritor Roberto Porto, no livro “Didi”: “Realmente nós nos desentendemos por causa do Garrincha. Eu tinha dito ao crioulo (Didi) que o jogo já tinha acabado, que o Botafogo era o campeão e tal e coisa, mas que ele chamasse urgentemente o Nílton Santos e os dois fossem conversar com Garrincha. O Mané estava impossível, dando um baile em Altair e Clóvis e em quem mais aparecesse. Eu queria que os dois, com a banca que tinha, fossem até ele, Garrincha, e mandassem que ele parasse com o espetáculo. Ele estava desmoralizando nosso time... Mas parece que Didi e Nílton Santos não deram bola para o que eu pedira. Foi aí que nos desentendemos, mas foi coisa rápida e que em nada abalou nossa longa amizade. Naquele dia, ninguém conseguiria evitar que Garrincha fizesse o que bem entendesse com a bola. Para mim ele ganhou o jogo... ”. Para ilustrar tudo que Telê falou sobre Garrincha, nos resta falar que aos 15 minutos ele marcou o seu gol e, aos 23, após lindos dribles pela ponta, dá mais uma assistência para Paulo Valentim fazer seu quinto gol e o sexto do Botafogo. O tricolor ainda reduziria a diferença no placar com Waldo. Este gol, porém, só serviu para a torcida alvi-negra ter uma rima perfeita ao cantar: “É 6 a 2 no Pó-de-arroz!!! É 6 a 2 no Pó-de-arroz!!! ”.
O fim do jogo marcou o início de um período de glórias para o Botafogo. Tanto para o clube, quanto para seus jogadores, uma fase de glórias estava se iniciando. O Botafogo se tornaria um dos poucos times brasileiros a duelar, em iguais condições, com o Santos de Pelé. O clube se tornaria um dos principas símbolos do futebol arte no mundo. Todos queriam ver os jogadores alvi-negros. Em amistosos pelo mundo ou compondo a Seleção Brasileira, eles eram idolatrados. Quarentinha, como já foi citado, tornaria-se o maior artilheiro da história do Botafogo. Paulo Valentim se consagraria na Argentina como um dos maiores ídolos do Boca Juniors, conquistando dois Campeonatos Argentinos ( 62 e 64 ) e três artilharias nacionais ( 61, 62 e 64 ). Já Garrincha... Bem, o Mané se transformaria em um personagem tão importante do nosso país, que sua vida deveria ser matéria obrigatória em nossas escolas. E tudo começou no dia 20 de dezembro de 1957.
Botafogo 6 x 2 Fluminense
20 de dezembro de 1957
Maracanã – Público: 89100 torcedores
Gols: 1º tempo: Paulo Valentim ( Bot ) aos 3´, Paulo Valentim ( Bot ) aos 30´ e Paulo Valentim ( Bot ) aos 42´; 2º tempo: Escurinho ( Flu ) aos 5´, Paulo Valentim ( Bot ) aos 9´, Garrincha ( Bot) aos 15´, Paulo Valentim ( Bot ) aos 23´ e Waldo ( Flu ) aos 39´.
Botafogo: Adalberto; Beto e Tomé; Servílio, Pampolini e Nílton Santos; Garrincha, Didi, Paulo Valentim, Edson e Quarentinha
Fluminense: Castilho; Cacá e Pinheiro; Jair Santana, Clóvis e Altair; Telê Santana, Jair Francisco, Waldo, Robson e Escurinho.
mlk.. deu pra assistir esse jogo pelos seu blog huahuahuauhahuahuahuauahu
ResponderExcluirfoi tipo a preliminar da semi-final de hj..
abraço rpz..