No meado da década de 70, para ser mais exato em 1974, existiam várias maneiras de se medir a força do Palmeiras. Entretanto, duas eram as mais representativas: a equipe havia conquistado o Bi-campeonato Brasileiro em 1972 e 1973 e contou com nada menos do que 6 jogadores convocados para a Seleção Brasileira que disputou a Copa do Mundo, na Alemanha. Foi este poderoso Palmeiras que foi convidado para participar do Troféu Ramón de Carranza, na cidade de Cádiz, na Espanha.
Em 1955, o Cádiz Club de Fútbol passava por dificuldades finaceiras e resolveu aproveitar a construção do Estadio Ramón de Carranza para organizar um torneio, envolvendo grandes clubes espanhóis e mundiais, que lhe ajudaria financeiramente. Foi então que pela primeira vez foi disputado o Troféu Ramón de Carranza, que com o tempo ficou cada vez mais valorizado ganhando a alcunha de “Troféu dos Troféus”. Só para citar uma grande curiosidade deste torneio, foi nele que, em 1962, pela primeira vez na história uma partida foi decidida na disputa de pênaltis.
A edição de 1974 do Ramón de Carranza foi talvez a mais estrelada de todas. Além de contar com o Espanhol, que havia levado o troféu em 1973, e o Verdão, o Barcelona de Johan Cruyff e o Santos de Pelé estariam presentes na competição. O que também chamava a atenção desta edição era o duelo entre Catalunha, representada por Espanhol e Barcelona, e São Paulo, que contava com Santos e Palmeiras. Muita rivalidade e bom futebol eram o que os torcedores espanhóis podiam esperar nos duelos que viriam pela frente.
O Barcelona era uma equipe fortíssima, havia conquistado a Liga Espanhola na temporada 73/74, liderada por dois dos maiores personagens do futebol holandês em todos os tempos. O treinador azul-grená era Rinus Michels que, apesar de excelentes trabalhos com o Ajax e com o próprio Barcelona, entrou para a história do futebol ao conquistar o Vice-campeonato Mundial em 1974, com a Seleção Holandesa e seu refinado Futebol Total. Tanto na “Laranja Mecânica”, quanto no Barcelona Campeão Espanhol, Rinus comandou Johan Cruyff, um jogador que até hoje não sabemos se encantou mais pelo seu senso tático ou por sua qualidade técnica. Após conquistar tudo que podia com o Ajax, incluindo 3 Copas dos Campeões da Europa, Cruyff chegou ao Barcelona e, logo em sua temporada de estréia, deu ao clube Catalão a Liga Espanhola que não era conquistada desde 1960. Liderado por Rinus Michels fora de campo e por Johan Cruyff dentro das quatro-linhas, o Barcelona com seu futebol dinâmico era o favorito para conquistar esta edição do Troféu Ramón de Carranza e tudo que viria pela frente, na temporada que estava se iniciando.
O Santos, apesar de ter conquistado metade do Paulistão de 1973, já que o árbitro Armando Marques errou na contagem dos pênaltis que decidiriam o Campeão e o título acabou divido com a Portuguesa, já não era mais a mesma potência de anos antes. Perto da equipe Bi-campeã Mundial em 62/63, de Gilmar, Mauro Ramos, Zito, Coutinho e Pepe, ou da Tri-campeã Paulista em 67/68/69, de Rildo, Ramos Delgado, Clodoaldo, Toninho Guerreiro e Edu, este Santos de 1974 era bem mais frágil. Porém, Pelé, o “Rei do Futebol”, ainda vestia o manto branco e isso já era o suficiente para todos no mundo quererem assistir ao Santos.
O torneio seria disputado da seguinte maneira: Barcelona x Palmeiras e Espanhol x Santos seriam os duelos que iriam apontar quais equipes disputariam a decisão. Pois é amigos, logo de cara, na estréia do torneio, teríamos um Barcelona e Palmeiras. E só para constar, havia menos de um mês que a Holanda de Cruyff e Michaels eliminara o Brasil da Copa do Mundo de 1974.
O Palmeiras, conhecido na época como “Academia” por mostrar em campo um estilo essencialmente técnico, chegando em alguns momentos a atingir a perfeição na troca de passes, era sem dúvida alguma uma das maiores equipes da época. A começar pelo goleiro Leão, um dos grandes nomes da posição na história do futebol brasileiro, que se destacava por sua personalidade fora de campo e seus reflexos e agilidade debaixo das traves. Se a “Academia” ensinava como rodar a pelota de pé em pé, também não ficava atrás no quesito defensivo . O cracaço Luís Pereira, que além de defender com maestria sempre subia ao ataque para fazer seus golzinhos (marcou 35 em sua passagem pelo Verdão), contava com a companhia de Eurico, Alfredo e Zeca, que mostravam que um futebol ofensivamente bonito pode ser mesclado a um sistema defensivo que era uma muralha. Para se ter uma idéia, em 1972 a equipe sofreu apenas 44 gols em 80 jogos.
Toda esta antítese entre a solidez defensiva e a leveza com a bola nos pés que o Verdão mostrava em campo devia-se principalmente a sua dupla de meias, a engrenagem principal desta máquina. Talvez somente Pelé e Coutinho, que juntos infernizavam qualquer adversário do Santos dos anos 60, tenham formado uma dupla tão entrosada quanto Dudu e Ademir da Guia. Dudu era um marcador implacável que ajudava Ademir na organização ofensiva. Ademir era um maestro de categoria imensurável, que ajudava Dudu na tarefa de defender. Mais impressionante do que a sincronia desta dupla era a capacidade de Ademir da Guia de ditar o ritmo de uma partida. Com Ademir em campo, todos os outros atletas, sem perceberem, estavam sendo manipulados. O maestro palmeirense dava ao jogo o seu ritmo, a sua calma, a sua tranquilidade. Deste modo, era permitido ao Palmeiras mostrar toda sua capacidade técnica e primazia na troca de passes. Sobre a arte de Ademir da Guia de jogar bola, foi o poeta João Cabral de Melo Neto o autor das, em minha opinião, mais perfeitas palavras.
Ademir impõe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso),
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.
Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o.
Ritmo morno, de andar na areia,
da água doente de alagados,
entorpecendo, e então atando
o mais irriquieto adversário.
O confronto entre o estilos clássico e elegante de Ademir da Guia e dinâmico e intenso de Cruyff, era, principalmente para os apreciadores táticos do futebol, um momento imperdível.
Este jogo foi uma das provas de que o Palmeiras realmente não se importava com o adversário. Não interessava quem estivesse do outro lado do campo, se o Palmeiras estivesse em um dia de boa atuação, o que era uma constante, o ritmo do jogo seria o que o Verdão quisesse. Algumas frases retiradas do diário espanhol “El Mundo Deportivo”, mostram perfeitamente o que foi a partida*.
“...que el centro del campo fuera de dominio extranjero y alli se dacantarala bálanza a favor de un Palmeiras que demostró su condición de número uno del fúlbol brasileño.”
“...un Barcelona que corrió lo mínimo y no supo desmarcarse con la rapidez y facilidad que el planeamiento táctico contrario aconsejaba.”
“Fue tal la demonstración de superioridad de los brasileños, que en el primer tiempo los aficionados coroaron dos veces con olés y aplausos su juego reposado y trenzado.”
A movimentação característica que o Barcelona tinha como uma das suas principais armas foi engolida pelo toque de bola palmeirense. O ritmo pausado e técnico do Palmeiras foi como uma teia de aranha, deixando o Barça sem ação. Com gols de Leivinha e Ronaldo, o Verdão venceu por 2 a 0 e conquistou a vaga na final. A decisão poderia ter sido brasileira, porém o Santos não aguentou o veloz jogo do Espanhol, que contava com a excelente dupla ofensiva Marañon e Jose Maria, e foi derrotado, também por 2 a 0. O Santos por sinal, também sucumbiu diante do Barcelona na disputa pelo 3º lugar. Com uma excelente atuação de mais um holandês do Barça, o atacante Johan Neeskens, que marcou 2 gols, o time catalão venceu facilmente o Alvi-negro Praiano por 4 a 1.
Na partida final, novamente o Palmeiras precisaria impor seu estilo em campo pois, como citei anteriormente, a principal arma do Espanhol na busca pelo Bi do Ramón de Carranza era a rapidez ofensiva. Mantendo o maior tempo possível o controle da pelota, o Palmeiras neutralizou a velocidade do oponente e deixou o jogo correr morno. O placar mostrava 1 a 1 (Leivinha havia marcado o tento do Verdão) quando, aos 37 minutos 2ª etapa, Luís Pereira, em uma de suas inesquecíveis subidas aos ataque, marcou o gol do título. O zagueirão era mesmo demais. Mesmo o Palmeiras contando com a excelente dupla de ataque formada pelo matador César “Maluco”, segundo maior artilheiro da história do clube com 180 gols, e Leivinha, meia-atacante inteligentíssimo que sabia usar a cabeça para pensar e também para marcar gols, Luís Pereira sempre mostrava sua importância ofensiva.
Em uma época onde as notícias não corriam o mundo com a velocidade de hoje, o Palmeiras deixou muita gente boquiaberta. Quem esperava assistir Pelé e Cruyff dando espetáculo, se encantou com Ademir da Guia. Quem achava que goleiro bom era goleiro europeu, se assustou com a qualidade de Emerson Leão. Os espanhóis que não conheciam a fundo o futebol de Luís Pereira e de Leivinha ficaram tão extasiados que, no ano seguinte, ambos foram atuar no Atlético de Madrid, onde fizeram história conquistando a Liga Espanhola de 1977. Pois é amigos, como era boa a época em que ao invés de vendermos nossos craques, vendíamos nosso show.
Equipe-base: Leão; Eurico, Luís Pereira, Alfredo e Zeca; Dudu e Ademir da Guia; Ronaldo, Leivinha, Cesar e Toninho.
Também atuaram: Édson, Edu e Fedato
*El Mundo Deportivo – 01 de setembro de 1974
Diano velho de guerra!!!!
ResponderExcluir"Como era boa época em que ao invés de vendermos nossos craques, vendíamos nosso show". Queria ter vivido essa época pra ver esses craques jogarem pra não ver os Ronis e Obinas da vida.
Gostei da história da conquista da Academia palmeirense campeão do Torneio Ramon de Carranza.
Abraço!
pega no meu caralho
ResponderExcluirO PEIXINHO É FREGUES DO BARÇA KKKKKKKKKKKKKKK DA-LHE PORCO !!!!!
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