Grandes Clássicos - Fluminense x Botafogo 1971
Olá amigos leitores do FUTEBOLA!
Estou aqui, uma vez mais, com a honra de contar para vocês sobre um grandioso jogo de futebol da história dos Campeonatos Carioca. Neste sábado teremos pela 6ª rodada da Taça Rio mais um “Clássico Vovô”, este com a presença de apenas um Campeão Mundial com a Seleção Brasileira, o treinador Carlos Alberto Parreira. Houve um tempo, porém, que esses times contavam, juntos, com sete Campeões do Mundo. E é nesta época que se encontra o jogão que conto para vocês a partir de agora.
No início da década de 70, o futebol brasileiro estava nas nuvens. O motivo principal deste frenesi em nosso futebol era a conquista da Copa do Mundo de 1970, onde todos os campeões atuavam em gramados nacionais. Nosso país contava com uma quantidade imensa de esquadrões, podendo ser eles já consagrados ou iniciando suas glórias. Na classe dos que já estavam acostumados a levantar taças, tínhamos a segunda fase do Santos, com Edu, Clodoaldo e a nossa majestade Pelé, o Cruzeiro de Piazza, Dirceu Lopes e o genial Tostão. Havia ainda o Palmeiras, de Dudu e do “Divino”Ademir da Guia, que já contava com uma bela estante de troféus e ainda seria Bicampeão Brasileiro (1972/1973). Em Porto Alegre, o Internacional do cracaço chileno Figueroa, que em 1976 se sagraria Octacampeão Gaúcho e Bicampeão Brasileiro, dava seus primeiros passos.
No Rio de Janeiro não poderia ser diferente. O Maracanã via todo fim de semana um desfile de craques de encher os olhos de qualquer torcedor do mundo. Se jogava o América, era hora de ver o artista baixinho Edu. Se era o Vasco a entrar em campo os aplausos eram para o veterano Silva e olhos grudados em um tal de Roberto, começando a ser conhecido como Dinamite . A torcida rubro-negra do Flamengo não podia deixar de ver o clássico zagueiro paraguaio Reyes e uma jovem promessa chamada pelo simples apelido de Zico. Apesar de todas estas feras espalhadas pelos clubes cariocas, eram Fluminense e Botafogo que, neste início de década, despontavam como as equipes mais fortes da Cidade Maravilhosa. E o Glorioso tinha o imenso poder de encantar todos os torcedores, não somente os seus.
Para assistir o Botafogo jogar deveria ser obrigatório trajar esporte fino. Era uma quantidade impressionante de monstros do nosso futebol. Só os Campeões do Mundo eram quatro. Na lateral-direita aquele que em qualquer eleição para Seleção Mundial do século XX está presente: o “Capitão do Tri” Carlos Alberto Torres. Na zaga, o vigor, a seriedade e a segurança de Brito. Já a dupla que infernizava os adversários era daquelas que qualquer time da face da Terra queria poder contar: Paulo César Caju e Jairzinho. Paulo César estava vivendo uma fase brilhante, onde o próprio Pelé não se cansava de elogiá-lo. E até elogios internacionais ele recebia: “Eu queria um time com dez Paulo César. Para mim, ele é o melhor jogador do Brasil.”* – Heleno Herrera, então treinador da Roma. Jogador de personalidade, já mostrava desde o início, quando marcou os 3 gols da vitória de 3 a 2 sobre o América, no duelo final da Taça Guanabara de 1967, que era diferenciado. Quando eu digo diferenciado, estou falando tanto dentro quanto fora de campo. Entre as quatro linhas mostrava impressionante domínio da bola e velocidade, sendo uma tortura para qualquer zagueiro ter que marcá-lo. Já fora dos gramados era a extroversão em pessoa. Cada dia com uma roupa diferente, era fanático por colecionar calçados e pela noite carioca. Mas mesmo que não parecesse, Caju era muito responsável e sempre mostrava enorme empenho nos treinamentos.
Se os zagueiros perdiam o sono nas vésperas de enfrentar Paulo César Caju, deveriam perder o sono e a fome quando pensassem que, além do Caju, deveriam se preocupar com Jairzinho. Naquele início dos anos 70 o nome Jairzinho vinha sempre acompanhado do slogan “O único jogador que marcou gols em todos os jogos da Copa do Mundo”. Era impossível lembrar do craque sem citar a frase (Sem desmerecer nenhum um pinguinho Jairzinho, mas apesar do menor número de partidas, apenas 4, o nosso maior carrasco, Ghiguia, também marcou gols em todos os jogos da Copa do Mundo de 1950). Era impressionante o fato de Jairzinho ter enfrentado Inglaterra, Uruguai, Itália e outras seleções, e sempre ter deixado sua marca, do primeiro ao último jogo da Copa. Realmente nenhum apelido lhe cairía tão bem quanto “Furacão da Copa”, né? No Botafogo, ele não fazia menos. Jogador extremamente vertical, bastava pegar na bola e arrancar que a galera se levantava. Essas arrancadas sempre eram concluídas com finalizações de primeira categoria, o que tornava o “Furacão” presença constante nas brigas pela artilharia.
O Campeonato carioca de 1971 possuía a seguinte fórmula. Eram dois grupos com 6 times cada. Cada equipe enfrentava, em apenas um jogo, os clubes da outra chave (totalizando 6 jogos). Ao final desta fase, os 4 primeiros colocados de cada grupo se classificavam. Neste início de torneio, o Botafogo já dava um show atrás do outro. Foram 5 vitórias e apenas 1 empate, com 15 gols marcados. Para a segunda fase, os pontos eram mantidos e todos os oito clubes classificados se enfrentavam duas vezes. Ao final, quem possuísse mais pontos era o campeão.
Após a campanha da primeira fase, era muito difícil não citar o Botafogo como principal candidato ao título, mas foi justamente este o maior problema que o Glorioso poderia enfrentar. Chega a ser difícil de entender como um time tão experiente pôde cair na famosa armadilha do salto alto, da prepotência, da soberba. Uma das entrevistas mais clássicas que existem na história do futebol foi dada por Paulo César Caju, onde mais de um mês antes do torneio terminar ele já aparecia com a faixa de Campeão Carioca de 1971. Com todas as letras ele afirmou: “O Botafogo já é campeão.”* O eterno capitão Carlos Alberto Torres, logo ele, menosprezava os adversários dizendo que o Fogão era uma Mercedes-Benz e os adversários apenas fusquinhas, que iria colocar a bola no pescoço e tudo mais. Para atrapalhar mais ainda a vida do Botafogo, que já se atrapalhava sozinho, o viríl zagueiro vascaíno Moisés havia quebrado Jairzinho, o tirando do restante do torneio. Para se ter uma idéia da "classe" de Moisés, ele afirmava: “Zagueiro que se preze não ganha prêmio Belford Duarte”, que é a premiação dada aos jogadores por jogar 10 anos sem ser expulso uma única vez. Completando a lista de problemas botafoguenses, o Fluminense estava chegando com tudo.
Vou listar para vocês o currículo que o Fluminense mostrava na época, e vocês verão como o Botafogo se equivocou ao se vangloriar antes do tempo. Em 1969 o Botafogo era favoritíssimo a conquistar o Campeonato Carioca, que seria na verdade o título de Tricampeão, pois o clube havia vencido em 1967/1968. Pois bem, o Fluminense não tomou conhecimento desse favoritismo e venceu o torneio com uma rodada de antecedência. E tem mais! Em 1970 foi disputado o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, um embrião do Campeonato Brasileiro e, mesmo com a presença de fortes concorrentes, o Tricolor deu mais um show e levou a taça para a sede das Laranjeiras. Ficará para sempre na história, a atuação, neste torneio, contra o Palmeiras de Ademir da Guia, onde o Fluzão venceu por 3 a 0 em pleno Morumbi.
A vasta história do futebol brasileiro permite certos esquadrões caírem no esquecimento. Mesmo quem não viu, já ouviu sobre a “Máquina Tricolor” do Rivelino ou o time do Romerito que conquistou o Brasileirão de 1984, porém não são muitos os que conhecem o timaço tricolor do início da década de 70. A equipe do Fluminense parecia não ter pontos fracos. Já começava com dois Campeões do Mundo, pois quem tinha o dever de guardar o gol tricolor era o goleirão Félix e o treinador da equipe era o “Velho Lobo” Zagallo. Na linha defensiva, mais um vencedor da Copa do Mundo do México, o ofensivo e perigoso lateral-esquerdo Marco Antônio. No meio-de-campo um inovador. Denílson foi um dos primeiros jogadores da posição que tinha o papel de proteger a defesa e ficar plantado em frente aos zagueiros. Era, com certeza, um dos responsáveis pela segurança tricolor. Aí chegamos ao ataque. E que ataque! A formação ofensiva do Fluzão era fortíssima. Eram tantos bons jogadores, que alguns ficavam até no banco. A ponta-direita era uma prova do que eu estou falando. Ora jogava o ótimo Wilton, ora o velocíssimo Cafuringa (o nosso conhecido lateral-direito Cafu é chamado assim por ter um estilo rápido como o Cafuringa). Na outra ponta, a esquerda, um dos craques mais valentes que o Fluminense já possuiu. O ponteiro Lula era raça pura, mas sem deixar de lado uma grande qualidade técnica. Mais tarde, após escrever seu nome na galeria dos craques tricolores, Lula foi para o Internacional. Mais uma equipe, mais uma galeria. Pelo Colorado, Lula foi um dos pilares do time Bicampeão Brasileiro em 1975/1976. Ajudando os pontas a fazer a bola chegar redondinha no ataque, estava ninguém menos do que Ivair, o “Príncipe”. O apelido que ele conquistou, após mostrar toda sua habilidade atuando pela Portuguesa (SP), deve ser muito mais valorizado se nós lembrarmos que Pelé era o rei do futebol (na verdade Pelé foi, é e sempre será o rei do futebol). Um grande duelo marca a carreira de Ivair. Na época que atuava na Lusa, ele várias vezes enfrentou o goleiraço Valdir, um dos maoires arqueiros que o Palmeiras já teve. Pois acreditem, Valdir foi buscar no fundo das redes, nada menos que 15 gols de Ivair.
Falando em gols, quem era o tricolor responsável por esta grata tarefa? Fácil, fácil, descrever o centroavante Flávio. Conhecido como Flávio Minuano, ele não tem apenas um cartão de visitas, mas sim um álbum de visitas para se apresentar. Chegou ao Fluminense após passagem excelente pelo Corinthians, onde foi artilheiro do Campeonato Paulista de 1967 ( pois é, ele já bateu o Pelé) e marcou um total de 158 gols. Da maneira que ele chegou ao Tricolor, ele permaneceu, ou seja, fazendo gols e terminando no topo da tabela de artilheiros. Nos Cariocas de 1969 e 1970, ninguém balançou mais as redes do que ele. Vou lhes contar rapidamente dois jogos históricos de Flávio. O primeiro deles foi pelo Corinthians. Em 1969 ele marcou um dos gols que deu ao Timão a vitória sobre o Santos, vitória esta que não ocorria há 11 anos em Campeonatos Paulistas. A outra atuação é pelo próprio Flu. Lembram aquela histórica apresentação do Fluminense contra o Palmeiras, válida pelo Troféu Roberto Gomes Pedrosa, que citei anteriormente? Pois é, ele foi o autor dos três gols que deram a vitória ao Fluzão por 3 a 0. E depois de sair do tricolor ainda viria muito mais honrarias para a carreira de Flávio: 70 gols marcados pelo Porto, de Portugal, Campeão Brasileiro e artilheiro pelo Internacional, em 1975, artilheiro do Gauchão pelo Pelotas em 1977... Resumindo: Flávio era sinônimo de gol.
Apesar de eu estar preparando o terreno para contar sobre o inesquecível duelo que decidiu o título, entre Fluminense x Botafogo, toda a reta final do Campeonato Carioca de 1971 foi histórica. Faltando 5 rodadas para o fim da competição, o Botafogo possuía 4 pontos de vantagem sobre o Fluminense (na época, cada vitória valia dois pontos), mas aí a soberba não deixou o Botafogo aproveitar esta grande vantagem. Enquanto o Fluminense vencia o Flamengo e Vasco, o Botafogo apenas empatava com América e Bonsucesso. No final das contas, a equipe alvi-negra chegou para o jogo decisivo contra o Fluminense com um ponto na frente, ou seja, a vantagem do empate.
No dia 27 de junho o Maracanã recebia um estrondoso público de mais de 140 mil torcedores. Todos esperavam um jogo tenso, nervoso, de deixar o coração dos jogadores na ponta da chuteira e o dos torcedores batendo na garganta. Após o apito inicial, a tensão presente não deixou o primeiro tempo se desenvolver. Os primeiros 45 minutos foram amarrados, estudados, cautelosos. De destaque nesta etapa uma cobrança de falta de Lula que acertou o travessão do goleiro botafoguense Ubirajara e a contusão do lateral-direito Carlos Alberto Torres, com a situação ficando mais preta do que branca para o Botafogo. No 2º tempo foi possível assistir a uma das maiores ironias já presenciadas no futebol. O Botafogo, que tanto cantava vitória antes do tempo, que botava faixa de campeão ainda na metade do torneio e que colocaria a bola para rodar no pescoço, estava todo plantado em seu campo, se defendendo com unhas e dentes, raramente puxando um contra-ataque. O experiente Brito e o jovial Osmar Guarnelli, dupla de zaga botafoguense, trabalhavam com eficiência. Se o goleiro tricolor Félix teve que impedir um gol ao fazer uma defesaça, após uma cobrança de falta de Paulo César, a dupla de zaga do Fogão também fazia seu trabalho com louvor.
Com a chegada dos minutos finais da partida, vem junto o lance que entraria para a história. O Fluminense literalmente invadia o campo adversário quando conseguiu um escanteio. Em sequência, outro escanteio. Logo após, o terceiro escanteio ininterrupto. Que pressão! O coração, nestas alturas, não batia mais na garganta, já havia saltado pela boca. Cobrança do cornér e... Mais um escanteio. O quarto. O histórico. Eram 43 minutos e Cafuringa cobra curto para o lateral Oliveira que levanta a bola na área. O goleiro Ubirajara sobe com o tricolor Marco Antônio e eles se chocam. Falta? Nenhum apito é escutado e a bola sobra para Lula sacudir o filó. Gol do Fluminense. Gol do título. Jogadores botafoguenses, inconformados, reclamam com o árbitro José Marçal Filho. Querem falta sobre o goleiro. Começa a confusão alvinegra no gramado. Começa a festa tricolor nas arquibancadas. É pó-de-arroz pra tudo quando é lado. Os gritos de “Um, dois, três... O Botafogo é freguês...” ecoa pelo Maracanã. O Fluzão comemora na hora certa, com a taça nas mãos. A Taça de um Estadual que teve de tudo, inclusive a soberba botafoguense. O sentimento alvinegro é descrito por seu treinador, Paraguaio, após a partida: “É duro. É muito duro. Muitos diziam que não podia acontecer. Mas aconteceu.”**
Fluminense 1 x 0 Botafogo
27 de junho de 1971
Maracanã – Público: 142339 torcedores
Gols: 2º tempo: Lula (Flu) aos 43´.
Fluminense: Felix; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antonio; Silveira e Didi (Flavio); Wilton (Cafuringa), Cláudio Garcia, Ivair e Lula.
Botafogo: Ubirajara; Carlos Alberto Torres (Mura), Brito, Osmar e Paulo Henrique; Carlos Roberto e Nei Conceição; Zequinha (Paraguaio), Careca, Nilson Dias e Paulo César Caju.
* Revista Placar – Grandes Perfis de Placar – Botafogo
** Revista Placar – Grandes Reportagens de Placar - Fluminense
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pensei q vc ia postar outra vitoria do botafogo huahuahuahuhua
ResponderExcluirassim é bem mais bonito \o/
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirFala Diano, gostei dimais da história. A sua escrita fez com que eu conseguisse imaginar todos os lances narrados por você. E salve o meu Fluzão, que agora está com tudo.
ResponderExcluirGrande Abraço.
Diano velho de guerra!!!!
ResponderExcluirVocê precisa ver escutar 2 histórias uma da minha mãe e outra do meu pai sobre esse jogo de 71 vc vai rolar de rir.
Eu já ia saindo do maraca ( estava na rampa )quando o fluzão marcou. Voltei correndo !!!
ResponderExcluirSalve!! Salve!! Como era legal torcer.....
O que deu ao Botafogo a vantagem do empate no último jogo, foi justamente a sua vitória sobre o Fluminense por 1 a 0, já pela Fase Final, fruto de um pênalti inexistente sobre Jairzinho, única derrota do FFC nesse campeonato, extremamente criticado pelos jornalistas do JS do dia após o jogo e comemorado pelos torcedores alvinegros como uma grande malandragem de seu jogador (ver JS durante a semana após o jogo). Esse time do FFC, montado por Telê Santana foi campeão carioca em 1969 e 1971, da Taça GB, competição independente, nos mesmos anos e campeão nacional em 1970.
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