sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

GÊNIOS DAS PALAVRAS


O Torcedor
Por Eduardo Galeano

Uma vez por semana, o torcedor foge de casa e vai ao estádio.

Ondulam as bandeiras, soam as matracas, os foguetes, os tambores, chovem serpentinas e papel picado: a cidade desaparece, a rotina se esquece, só existe o templo. Neste espaço sagrado, a única religião que não tem ateus exibe suas divindades. Embora o torcedor possa contemplar o milagre, mais comodamente, na tela de sua televisão, prefere cumprir a peregrinação até o lugar onde possa ver em carne e osso seus anjos lutando em duelo contra os demônios da rodada.

Aqui o torcedor agita o lenço, engole saliva, engole veneno, come o boné, sussurra preces e maldições, e de repente arrebenta a garganta numa ovação e salta feito pulga abraçando o desconhecido que grita gol ao seu lado. Enquanto dura a missa pagã, o torcedor é muitos. Compartilha com milhares de devotos a certeza de que somos os melhores, todos os juízes estão vendidos, todos os rivais são trapaceiros.

É raro o torcedor que diz: “Meu time joga hoje”. Sempre diz: “Nós jogamos hoje”.

Este jogador número doze sabe muito bem que é ele quem sopra os ventos de fervor que empurram a bola quando ela dorme, do mesmo jeito que os outros onze jogadores sabem que jogar sem torcida é como dançar sem música.

Quando termina a partida, o torcedor, que não saiu da arquibancada, celebra sua vitória, que goleada fizemos, que surra a gente deu neles, ou chora sua derrota, nos roubaram outra vez, juiz ladrão. E então o sol vai embora, e o torcedor se vai. Caem as sombras sobre o estádio que se esvazia. Nos degraus de cimento ardem, aqui e ali, algumas fogueiras de fogo fugaz, enquanto vão se apagando as luzes e as vozes. O estádio fica sozinho e o torcedor também volta à sua solidão, um eu que foi nós; o torcedor se afasta, se dispersa, se perde, e o domingo é melancólico feito uma quarta-feira de cinzas depois da morte do carnaval.

Texto retirado do livro Futebol ao Sol e à Sombra

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

COPA LIBERTADORES 2014 - DEPORTIVO QUITO X BOTAFOGO


Deportivo Quito 1 x 0 Botafogo – Estádio Atauhalpa, Quito (Equador)

Em jogo morno, Botafogo perde para o Deportivo Quito por 1 a 0 e precisará de vitória no Maracanã para avançar à fase de grupos da Libertadores.

Se o duelo nos quase três mil metros de Quito mantivesse o ritmo dos primeiros dois minutos, quando os anfitriões quase abriram o placar com o zagueiro Romero e o estreante alvinegro Ferreyra perdeu oportunidade clara, o Botafogo não aguentaria. Os efeitos da altitude e o frágil preparo físico de início de temporada matariam o clube de General Severiano.

Para benefício do Bota, a velocidade do confronto não tardou a diminuir. Porém, um domínio territorial e das ações ofensivas logo se desenhou a favor dos equatorianos. Comandado pelo camisa 10, Feraud, o Deportivo se aproveitou de seguidas falhas defensivas botafoguenses (pelo alto e por baixo), criou chance para abrir o placar, o abriu (Estupiñán, aos 18, aproveitou bobeada do zagueiro Dória) e quase o ampliou.

Nos últimos 15 minutos da etapa, o Botafogo, com muita movimentação do Lodeiro, o melhor alvinegro em campo, começou a se soltar mais um pouco, mas nada que ameaçasse o estabanado goleiro Ramirez. Isso só viria a acontecer em um córner olímpico do Jorge Wagner, já aos 11 da segunda etapa, que logo foi respondido por um gol equatoriano bem anulado por impedimento.

E estes dois acabariam por ser os únicos “melhores momentos” de um segundo tempo onde o Botafogo foi ao ataque sem muito atacar e o Deportivo adotou os contra-ataques sem muito contra-atacar. Diante das fragilidades ofensivas de ambos, o placar terminou mesmo no um a zero, resultado que o Bota tem totais condições de reverter no Maracanã.

Deportivo Quito: Ramirez; Chinga, González, Romero e Fuertes; Andrade, Vega, Feraud (Quiñones) e Bravo (Lara); Calderón e Estupiñán (Hansen). Técnico: Garay.

Botafogo: Jefferson; Edílson, Bolívar, Dória e Julio Cesar; Marcelo Mattos e Rodrigo Souto; Gabriel (Wallyson), Jorge Wagner (Renato) e Lodeiro; Ferreyra (Elias). Técnico: Eduardo Hungaro.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

FUTEBOL É ARTE























Segundo o artista Stanley Chow, suas maiores inspirações são futebol, Manchester United, TV e filmes. Com um estilo bem característico de ilustrar, o britânico possui inúmeras obras futebolísticas, sendo que algumas delas retratam ídolos brasileiros. No “Futebol é Arte” de hoje, podemos ver a homenagem de Stanley ao craque Sócrates, um dos esportistas brasileiros mais prestigiados na Europa, tanto pelo que fez em campo quanto pelos ideais fora dele.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

ELÓIGICO E SUAS LÓGICAS



















Elóigico é um fanático torcedor do São Sebastião Futebol Clube que sempre coloca a paixão à frente da razão – como quase todos os torcedores, né? E quem fica perdida com tanto fanatismo de Elóigico é sua filha, Edinha, que mora junto com seu pai em uma simples casinha que vive futebol 24 horas por dia.


Desenho de Paulo Sales e roteiro de Diano Massarani.

sábado, 25 de janeiro de 2014

CAMPEONATO CARIOCA 2014 – 3ª RODADA – FLAMENGO X DUQUE DE CAXIAS


Flamengo 2 x 2 Duque de Caxias – Maracanã, Rio de Janeiro (RJ)

Pela primeira vez com força titular em 2014, Flamengo busca empate com Duque de Caxias após ter dois gols de desvantagem e mantém invencibilidade no Carioca.

Se por um lado já era esperado que o Flamengo não fosse repetir a intensidade e a qualidade do fim de 2013 – por questões físicas, ausências de Elias e Luiz Antônio e menor importância do confronto – pode-se dizer que também não se esperava tamanho sufoco diante de um Duque de Caxias que iniciava a rodada sem sequer um mísero ponto.

Sem muito forçar e apostando na técnica de Elano para chutar e passar e nas ultrapassagens de Léo Moura, o Flamengo até chegou a acuar o Duque de Caxias nos primeiros 20 minutos, quando Hernane perdeu dois gols e o próprio Elano acertou o travessão em cobrança de falta. Porém, aos 28, o lateral-esquerdo Rodrigues cobrou um córner olimpicamente milimétrico e abriu o placar para o Duque.

O Fla acusou o golpe, não conseguiu mas apertar o rival e deu indícios de que Elias e Luiz Antônio, caso não retornem, farão uma falta imensa. Se é verdade que, já nos acréscimos, Hernane, em posição irregular, voltou a desperdiçar boa chance para empatar, também é válido lembrar que Alex, segundos depois, quase ampliou o escore.

A bola do Alex que não entrou no fim da primeira etapa entraria no início da segunda, após chute desviado do Leandro Teixeira explodir no travessão e sobrar limpa para o atacante. Com dois a zero de desvantagem, Jayme decidiu esperar alguns minutos para ver se seu time se ajustaria sem a necessidade de mudanças. Não se ajustou (quase levou mais um tento do Alex) e o técnico lançou mão de Gabriel e Alecsandro. Acertou em cheio.

As entradas, aos 19, do meia e do centroavante energizaram o Fla, recolocaram Léo Moura no jogo, deram vida a André Santos e, antes mesmo do minuto 30, os próprios Gabriel e Alecsandro já haviam igualado o escore.

Na base do apoio da torcida e do ímpeto dos autores dos gols, o Flamengo até esboçou uma virada, mas o Duque de Caxias esteve bem mais inteiro fisicamente nos 15 minutos finais, segurou o Rubro-Negro e ainda tentou mais umas beliscadas. E foi assim, neste cenário, que chegou o apito final do árbitro para decretar o empate em 2 a 2.

Flamengo: Felipe; Léo Moura, Wallace, Samir e André Santos (João Paulo); Muralha e Amaral; Elano (Alecsandro), Carlos Eduardo (Gabriel) e Paulinho; Hernane. Técnico Jayme de Almeida.


Duque de Caxias: Elinton Andrade; Dudu, Alan Henrique, Luiz Felipe e Rodrigues; Lenon, Leandro Teixeira e Juninho; Angulo (Leandro Cruz); Alex (Washinton) e Gleisson (Daniel Amorim). Técnico: Mário Júnior.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

CÔMICO SE NÃO FOSSE TRÁGICO


Um dos grandes destaques do Campeonato Brasileiro de 2013 foi a organização e o crescimento do movimento Bom Senso Futebol Clube, criado pelos jogadores, os artistas do espetáculo. A cada início de partida, times inteiros se sentavam no gramado, cruzavam os braços, se abraçavam intercaladamente ou trocavam passes amistosamente, em protestos originais e que chamavam atenção. A principal discussão levantada pelo movimento era a do árduo e inchado calendário. Parecia a chegada de novos e bons ares, mas eis que começa 2014...

Amigos, não temos nem 10 dias de temporada e dois casos já dimensionam o quanto as federações estaduais e a CBF estão pouco se lixando para os clubes e os jogadores do nosso país. Creio que não exista apenas relaxamento por parte da cartolagem, mas também uma boa dose de incompetência. O cenário é assustador.

Entre o último sábado, 18 de janeiro, e domingo próximo, 26, o Botafogo totalizará quatro partidas pelo Campeonato Carioca. Isso mesmo, quatro partidas em oito dias, uma a cada 48h. Nenhuma delas contra um adversário que em 2013 tenha disputado sequer a Série B do Brasileiro.

Mas o amadorismo não é exclusividade do Rio de Janeiro. A Federação Paulista de Futebol, organizadora do Campeonato Paulista e da Copa São Paulo de Futebol Júnior, fez o time principal do Santos entrar em campo para enfrentar o Audax pelo Estadual às 19:30h da última terça-feira, apenas 30 minutos após os santistas da sub-20 terem iniciado o duelo com o Atlético Mineiro pela semifinal da Copinha. Ou seja, o torcedor do Santos precisou escolher se acompanhava o presente ou o futuro do clube, pois a FPF foi incapaz de separar os jogos.

Se não vivemos (será?) mais o ano de 1994, quando o Grêmio disputou três rodadas do Campeonato Gaúcho em um mesmo dia (11 de dezembro) e o São Paulo enfrentou o mesmo Grêmio, pelo Brasileiro, e o Sporting Cristal, pela Copa Conmebol, no dia 16 de novembro, os nossos cartolas mostram, 20 anos depois, que o nível administrativo ainda é precário.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

CAMPEONATO CARIOCA 2014 – 2ª RODADA – MACAÉ X VASCO


Macaé 1 x 1 Vasco – Moacyrzão, Macaé (RJ)

Precário tecnicamente e sem sede de vitória, Vasco empata com Macaé e segue sem triunfar no Carioca.

Diante de um adversário que se postava defensivamente com uma linha de quatro zagueiros e cinco homens de meio campo (o centroavante João Carlos era o único macaense sem árduas obrigações defensivas), o Vasco precisaria de boas trocas de passes para criar oportunidades ofensivas.

No entanto, como os volantes Fellipe Bastos e Pedro Ken não são jogadores que primam por toques criativos e William Barbio e Reginaldo correm mais do que pensam, o Cruz-Maltino encontrou enormes dificuldades para organizar tramas de ataque. Principalmente porque, aos 18 minutos, Marquinho deixou Guiñazu a comer poeira e rolou para João Carlos fazer um a zero para o Macaé.

Sem inspiração, mas com domínio de território, o Vasco acertou a trave em chute longo e desviado de Fellipe Bastos, viu um gol do Luan após escanteio ser evitado sobre a linha fatal e chegou ao empate com Edmílson, aos 39, depois de outra bola alçada sobre a área.

A vida vascaína poderia ter ficado mais fácil logo no início do segundo tempo, quando Ernani foi expulso, porém, mesmo com um homem a mais e a entrada do meia Montoya, nada foi criado além de um bom avanço de William Barbio pela direita. Bernardo foi a campo e mais uma boa jogada de Barbio, que acertou a trave, aos 23, deu indícios de que o Vasco, enfim, iria crescer, mas Pedro Ken fez falta em Digão para evitar contra-ataque, recebeu o segundo amarelo e pôs fim a superioridade numérica de seu time.

Ato contínuo à expulsão de Ken, Adilson Batista, cauteloso ao extremo, sacou Barbio para colocar o volante Abuda, diminuindo a já pequena força ofensiva cruz-maltina. Até o apito final, Bernardo ainda daria dois bons arremates e o Macaé tentaria algumas escapadas com o veloz Leozinho, mas nada capaz de alterar o placar. Pior para o Vasco, que segue sem vitória e aumenta ainda mais a insatisfação de sua torcida.

  
Macaé: Felipe Sánchez; Daniel, Cléber Carioca, Filipe Machado e Marco Goiano; Gedeil, Digão (Leozinho) e Ernani; Marquinho; Jean (Renan Silva) e João Carlos (Danilo). Técnico: Paulo Henrique Filho.

Vasco: Diogo Silva; André Rocha, Luan, Rodrigo e Marlon; Guiñazu, Fellipe Bastos (Bernardo) e Pedro Ken; William Barbio (Abuda), Reginaldo (Montoya) e Edmílson. Técnico: Adilson Batista.


UMA IMAGEM























O argentino Oscar “Ringo” Bonavena foi um dos maiores pesos pesados da história do boxe sul-americano, com um cartel que inclui lutas contra lendas como Muhammad Ali e Joe Frazier. Torcedor fanático do Huracán, chegou a afirmar que preferia ver seu time ser Campeão Argentino do que ser Campeão Mundial de Boxe.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

BATENDO BAFO - DINAMARCA 1986

No futebol, existem alguns exemplos de ascensões meteóricas que acabam por se tornar quedas avassaladoras. Poucos são tão chocantes quanto o da Dinamarca na Copa do Mundo de 1986, que contava com preciosos jogadores como o capitão Morten Olsen, o jovem craque Michael Laudrup, então aos 22 anos, e o atacante Elkjaer-Larsen, que chegava com a bagagem de ter sido segundo colocado em 1985 e terceiro em 1984 na disputa pelo prêmio Bola de Ouro, entregue pela tradicional revista France Football ao melhor jogador europeu do ano. Na fase de grupos do Mundial, a Dinamarca atropelou seus adversários e ganhou o histórico apelido de Dinamáquina. A vitória de 1 a 0 sobre a Escócia, a goleada exuberante de 6 a 1 no Uruguai e o maiúsculo triunfo por 2 a 0 diante da Alemanha fizeram os vermelhos da Escandinávia terminarem a primeira fase com 100% de aproveitamento, façanha que só o Brasil de Júnior, Sócrates e Careca também conseguiu. Nas oitavas de final, porém, viria a queda. E que queda! Diante de um impossível Emílio Butragueño, autor de quatro gols, a Dinamáquina emperrou e foi eliminada do Mundial pela Espanha com uma sonora goleada por 5 a 1. 




sábado, 18 de janeiro de 2014

CAMPEONATO CARIOCA 2014 - 1ª RODADA - MADUREIRA X FLUMINENSE


Madureira 3 x 2 Fluminense – Moça Bonita, Rio de Janeiro (RJ)

Em jornada coletiva exuberante, Madureira domina o Fluminense, vence por 3 a 2 de virada e azeda a festa de reestreia do ídolo Conca.

Em 90 minutos mais acréscimos, o Fluminense fez bem pouco digno de elogios. Conseguiu dois gols no primeiro tempo em jogadas iniciadas pelo reestreante Conca – aos 15, com o zagueiro Leandro Euzébio, e aos 28, com o atacante Michael, que retornava após oito meses suspenso por doping – e exerceu uma pequenina e desesperada pressão já nos acréscimos. Foi só. Na peleja como um todo, o Madureira foi superior e dominante em todos os quesitos.

Concentrado, atento, bem posicionado, fisicamente sobrando e com seus jogadores em tarde inspirada tecnicamente, o Madureira realizou uma apresentação tática de manual. Iniciou a partida com uma fortíssima marcação na intermediária e não demorou a abrir o placar através de tijolo do atacante Robert, aos 13. Levou a virada em 15 minutos, é verdade, mas em nenhum momento perdeu a tranquilidade e a organização.

Com os meias Bruno Thiago e Carlinhos responsáveis por uma transição defesa-ataque redondinha e o lateral-direito Marquinho ganhando todas do Ronan, o Tricolor Suburbano colocou a pelota no chão, ganhou terreno e, aos 37, empatou em bonito arremate do Carlinhos. O empate se transformou em virada no comecinho da segunda etapa, quando Cavalieri falhou feio em uma bola aérea e Allan aproveitou.

Foi a partir de então que o Madureira apresentou seu maior mérito na maiúscula vitória. Com a vantagem no placar, o técnico Roy lançou mão do meia Carlos Alberto, o que melhorou ainda mais a troca de passes da equipe. Sem abdicar do ataque em momento algum, o clube de Conselheiro Galvão não só impediu o Fluminense de construir tramas ofensivas como chegou perto do quarto tento em quatro oportunidades, a melhor delas um lindo chute na trave do Luiz Paulo.

Sem dúvidas a inadequada pré-temporada tem sua parcela de culpa pela derrota e péssima exibição do Fluminense. No entanto, este fato isolado não pode apagar a imensa superioridade e belíssimo futebol do Madura.

Madureira: Jonathan (Yan); Marquinho, Aislan, André e Luiz Paulo; Victor Bolt e Gilson; Bruno Thiago e Carlinhos (Carlos Alberto); Allan (Leozão) e Robert. Técnico: Antônio Carlos Roy

Fluminense: Diego Cavalieri; Wellington Silva, Gum, Leandro Euzébio e Ronan (Chiquinho); Willian e Jean; Rafael Sóbis, Wágner (Biro Biro) e Conca; Michael (Marcos Junior). Técnico: Renato Gaúcho


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O INCHADO CARIOCA 2014


Seria muito bom se o texto de abertura do Campeonato Carioca de 2014 fosse cheio de expectativas por um torneio emocionante, mas, infelizmente, este não é o caso. E a culpa pelo negativismo às vésperas do Estadual já tem dono, ou melhor, donos: o excesso de clubes e o regulamento.

Hoje em dia é inconcebível um Carioca com 16 clubes, ainda mais se lembrarmos que sete deles não disputaram nem a Quarta Divisão do Campeonato Brasileiro em 2013. Por pura politicagem, a FERJ (e praticamente todas as federações estaduais Brasil afora) insiste em um campeonato inchado. Quanto mais clubes, mais apoio político. E o interesse do torcedor por um campeonato mais empolgante é jogado no lixo.

Ao invés de um torneio com maior caráter decisivo tanto para os clássicos quanto para os duelos entre os clubes de maior e menor investimento, como seria possível com oito ou dez clubes, o Rio de Janeiro receberá uma competição que antes mesmo do seu início já causa sonolência.

Serão infinitas 15 rodadas, o que faz com que Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco possam encarar os clássicos de maneira desleixada na primeira fase, pois os pontos perdidos poderão ser facilmente recuperados. Assim, nós, torcedores, podemos nos preparar para uma chuva de times reservas por parte dos quatro favoritos. Uma pena, pois com bem menos do que as 19 datas disponíveis seria possível fazer um Carioca pra lá de atrativo.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

GÊNIOS DAS PALAVRAS

Armando Nogueira, futebol e eu, coitada
Por Clarice Lispector
Crônica publicada no Jornal do Brasil, no dia 30 de março de 1968

E o título sairia muito maior, só que não caberia numa única linha. Não leio todos os dias Armando Nogueira – embora todos os dias dê pelo menos uma espiada rápida – porque “meu futebol” não dá para entender tudo. Se bem que Armando escreve tão bonito (não digo apenas “bem”), que às vezes, atrapalhada com a parte técnica de sua crônica, leio só pelo bonito. E deve ser numa das crônicas que me escaparam que saiu uma frase citada pelo Correio da Manhã, entre frases de Robert Kennedy, Fernandel, Arthur Schlesinger, Geraldine Chaplin, Tristão de Athayde e vários outros, e que me leram, por telefone. Armando dizia: “De bom grado eu trocaria a vitória de meu time num grande jogo por uma crônica...” e aí vem o surpreendente: continua dizendo que trocaria tudo isso por uma crônica minha sobre futebol.

Meu primeiro impulso foi o de uma vingança carinhosa: dizer aqui que trocaria muita coisa que me vale muito por uma crônica de Armando Nogueira sobre, digamos, a vida. Aliás, meu primeiro impulso, já sem vingança, continua: desafio você, Armando Nogueira, a perder o pudor e escrever sobre a vida e você mesmo, o que significaria a mesma coisa.

Mas, se seu time é Botafogo, não posso perdoar que você trocasse, mesmo por brincadeira, uma vitória dele nem por um meu romance inteiro sobre futebol.

Deixe eu lhe contar minhas relações com futebol, que justificam o coitada do título. Sou Botafogo, o que já começa por ser um pequeno drama que não torno maior porque sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo. É o seguinte: não me é fácil tomar partido em futebol – mas como poderia eu me isentar a tal ponto da vida do Brasil? – porque tenho um filho Botafogo e outro Flamengo. E sinto que estou traindo o filho Flamengo. Embora a culpa não seja toda minha, e aí vem uma queixa contra meu filho: ele também era Botafogo, e sem mais nem menos, talvez só para agradar o pai, resolveu um dia passar para o Flamengo. Já então era tarde demais para eu resolver, mesmo com esforço, não ser de nenhum partido: eu tinha me dado toda ao Botafogo, inclusive dado a ele minha ignorância apaixonada por futebol. Digo “ignorância apaixonada” porque sinto que eu poderia vir um dia apaixonadamente a entender de futebol.

E agora vou contar o pior: fora as vezes que vi por televisão, só assisti a um jogo de futebol na vida, quero dizer, de corpo presente. Sinto que isso é tão errado como se eu fosse uma brasileira errada.

O jogo qual era? Sei que era Botafogo, mas não me lembro contra quem. Quem estava comigo não despregava os olhos do campo, como eu, mas entendia tudo. E eu de vez em quando, mesmo sentindo que estava incomodando, não me continha e fazia perguntas. As quais eram respondidas com a maior pressa e resumo para eu não continuar a interromper.

Não, não imagine que vou dizer que futebol é um verdadeiro balé. Lembrou-me foi uma luta entre vida e morte, como de gladiadores. E eu – provavelmente coitada de novo – tinha a impressão de que a luta só não saía das regras do jogo e se tornava sangrenta porque um juiz vigiava, não deixava, e mandaria para fora de campo quem como eu faria, se jogasse (!). Bem, por mais amor que eu tivesse por futebol, jamais me ocorreria jogar... Ia preferir balé mesmo. Mas futebol parecer-se com balé? O futebol tem uma beleza própria dos movimentos que não precisa de comparações.

Quanto a assistir por televisão, meu filho botafoguense assiste comigo. E quando faço perguntas, provavelmente bem tolas como leiga que sou, ele responde com uma mistura de impaciência piedosa que se transforma depois em paciência quase mal controlada, e alguma ternura pela mãe que, se sabe outras coisas, é obrigada a valer-se do filho para essas lições. Também ele responde bem rápido, para não perder os lances do jogo. E se continuo de vez em quando a perguntar, termina dizendo embora sem cólera: ah, mamãe, você não entende mesmo disso, não adianta.

O que me humilha. Então, na minha avidez por participar de tudo, logo de futebol que é Brasil, eu não vou entender jamais? E quando penso em tudo no que não participo, Brasil ou não, fico desanimada com minha pequenez. Sou muito ambiciosa e voraz para admitir com tranqüilidade uma não participação do que representa vida. Mas sinto que não desisti. Quanto a futebol, um dia entenderei mais. Nem que seja, se eu viver até lá, quando eu for velhinha e já andando devagar. Ou você acha que não vale a pena ser uma velhinha dessas modernas que tantas vezes, por puro preconceito imperdoável nosso, chega à beira do ridículo por se interessar pelo que já devia ser um passado? É que, e não só em futebol, porém em muitas coisas mais, eu não queria só ter um passado: queria sempre estar tendo um presente, e alguma partezinha do futuro.

E agora repito meu desafio amigável: escreva sobre a vida, o que significaria você na vida. (Se não fosse cronista de futebol, você de qualquer modo seria escritor.) Não importa que, nessa coluna que peço, você inicie pela porta do futebol: facilitaria você quebrar o pudor de falar diretamente. E mais, para facilitar: deixo você escrever uma crônica inteira sobre o que o futebol significa para você, pessoalmente, e não só como esporte, o que terminaria revelando o que você sente em relação à vida.

O tema é geral demais, para quem está habituado a uma especialização? Mas é que me parece que você não conhece suas próprias habilidades: seu modo de escrever me garante que você poderia escrever sobre inúmeras coisas. Avise-me quando você resolver responder a meu desafio, pois, como lhe disse, não é todos os dias que leio você, apesar de ter um verdadeiro gosto em ser sua colega no mesmo jornal. Estou esperando.


sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

OS PONTOS CORRIDOS PODEM SER MAIS EMOCIONANTES


O regulamento do campeonato com mata-mata praticamente obriga a uma crescente de emoção com o caminhar das fases, sendo o ápice atingido na grande decisão. Já o regulamento por pontos corridos não apresenta nenhuma garantia de que suas últimas rodadas serão de arrancar os cabelos. Convido os amigos a acompanharem, nas próximas linhas, uma sugestão de um campeonato que mantenha a essência principal dos pontos corridos (todos contra todos com ida e volta) e forneça maiores possibilidades (não a certeza) de um final com confrontos mais diretos, decisivos e, consequentemente, empolgantes.

Vamos supor que as tapeçarias Brasil afora mantenham o campeonato nacional com 20 clubes e por pontos corridos. O primeiro turno transcorreria como de costume, ou seja, com 19 rodadas não padronizadas. A tabela do segundo turno, porém, viria com uma padronização. Ela seria montada de forma que os últimos jogos do torneio fossem confrontos diretos tanto entre os melhores colocados ao final do primeiro turno quanto entre os piores.

Vejamos como ficaria o recém-terminado campeonato de 2013. Na parte superior da tabela, o final do segundo turno contaria com confrontos diretos entre Cruzeiro, Botafogo, Atlético Paranaense, Grêmio, Corinthians e Internacional, os seis primeiros colocados ao fim do primeiro turno. Já na parte menos nobre, Fluminense, Flamengo, Portuguesa, São Paulo, Ponte Preta e Náutico, os seis últimos na virada, se enfrentariam. Estas rodadas derradeiras se tornariam ainda mais eletrizantes ao serem recheadas com os clássicos locais, uma ideia incompreensivelmente abandonada.


É claro, lógico e evidente que nem todos os duelos finais seriam diretos, pois arrancadas e derrocadas acontecem ao longo do torneio. No entanto, este formato dificultaria (não impediria) que títulos fossem conquistados de forma muito antecipada e aumentaria o caráter decisivo das últimas rodadas, mesmo sem mata-mata. E aí, amigos, o que acham?

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O ATAQUE DA ESPERANÇA


Nas últimas semanas, falar de Fluminense foi falar de tapetão, virada de mesa, STJD, justiça, injustiça, letra fria da lei, interpretação, Mário Bittencourt... Pois vamos fugir deste ambiente desagradável e falar um pouco sobre o jogo jogado na grama, sobre o Ataque da Esperança tricolor.

Chamo de Ataque da Esperança e já explico, amigos. Com Conca, Walter e Fred, o Fluminense tem um trio capaz de um futebol ao mesmo tempo mágico e potente, empolgante e cruel, lúdico e produtivo. Porém, motivos diferentes geram dúvidas sobre até onde eles podem chegar e criam uma grande expectativa e sentimento de esperança nos tricolores.

Sem entrar em campo desde o início de setembro do ano passado, Fred sofre constantemente com sérias contusões e vive a polêmica sobre se estaria ou não se poupando para a Copa do Mundo, após ter sua convocação para a Seleção garantida por Felipão. Em campos tupiniquins ou europeus, não temos um brazuca que entenda melhor o papel de um centroavante do que Fred, mas se ele conseguirá repetir em 2014 os seus melhores desempenhos é uma dúvida que assola os tricolores.

Conca, maior ídolo recente do Flu, retorna às Laranjeiras após dois anos e meio no futebol chinês. Em dezembro passado, no Mundial de Clubes, o argentino mostrou, contra o Al Ahly e Atlético Mineiro, categoria, dinâmica, passes precisos e por pouco não levou seu Guangzhou Evergrande a uma histórica terceira colocação. A pergunta que fica é: será que o pequenino meia ainda tem pique para uma temporada tal qual a do inesquecível título do Brasileirão de 2010, quando disputou todos os 38 jogos?

Os trocadilhos que a mídia insiste em fazer com Walter e o seu sobrepeso são a prova de que, não importa o estupendo futebol jogado com a camisa do Goiás no último Brasileiro, sempre existirá uma pulga atrás da orelha em relação a sua forma física. Tal qual a idade avançada, uma forma mais arredondada sempre causa suspeitas. E para apresentar no Fluminense o seu jogo peculiar que mistura técnica refinada e rusticidade, Walter terá que superar outra barreira: a transição para um clube de maior porte, que já foi o cemitério do futebol de muitos goleadores.


As respostas sobre o que Fred, Conca e Walter poderão render, individualmente e em trio, com a camisa branca, verde e grená neste recém-iniciado 2014 virão apenas nas próximas semanas. E, amigos, confesso estar ansioso para acompanhar se o Ataque da Esperança se transformará em Ataque da Realidade.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

GÊNIOS DAS PALAVRAS


O GOL FATAL

Artigo do cineasta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini publicado no “Il Giorno”, no dia 3 de janeiro de 1971

Em meio ao debate atual sobre os problemas lingüísticos que separam artificialmente literatos de jornalistas e jornalistas de jogadores, fui indagado por um gentil repórter do "Europeo"; mas as minhas respostas saíram cortadas e depauperadas no tablóide (por causa das exigências jornalísticas!). Porém, como o assunto me interessa, gostaria de voltar a ele com mais calma e com a plena responsabilidade sobre aquilo que digo.

O que é uma língua? "Um sistema de signos", responde do modo hoje mais exato um semiólogo. Mas esse "sistema de signos" não é apenas, necessariamente, uma língua escrita-falada (esta que usamos agora, eu escrevendo e você, leitor, lendo).

Os "sistemas de signos" podem ser muitos. Tomemos um caso: eu e você, leitor, estamos numa sala onde também estão presentes [o jornalista e ex-porta-voz do presidente italiano Alessandro Pertini, Antonio] Ghirelli e [o jornalista esportivo da Itália Gianni] Brera, e você quer me dizer algo sobre Ghirelli que Brera não deve ouvir. A situação impede que você me fale por meio do sistema de signos verbais, e então é preciso recorrer a um outro sistema de signos, por exemplo, o da mímica; aí você começa a revirar os olhos, a entortar a boca, a agitar as mãos, a ensaiar gestos com os pés etc.

Você é o "cifrador" de um discurso "mímico" que eu decifro: isso significa que possuímos em comum um código "italiano" de um sistema de signos mímico.

Pintura, cinema e futebol

Outro sistema de signos não-verbal é o da pintura; ou o do cinema; ou o da moda (objeto de estudo de um mestre nesse campo, Roland Barthes) etc. O jogo de futebol também é um "sistema de signos", ou seja, é uma língua, ainda que não-verbal. Por que digo isso (que em seguida pretendo desenvolver esquematicamente)? Porque a "querelle" que contrapõe a linguagem dos literatos à dos jornalistas é falsa. E o problema é outro.

Vejamos. Toda língua (sistema de signos escritos-falados) possui um código geral. Tomemos o italiano: usando esse sistema de signos, eu e você, leitor, nos entendemos porque o italiano é um patrimônio nosso, comum, "uma moeda de troca". Entretanto cada língua é articulada em várias sublínguas, e cada uma destas possui, por sua vez, um subcódigo: os italianos médicos se compreendem entre si -quando falam o jargão especializado- porque todos eles conhecem o subcódigo da língua médica; os italianos teólogos se compreendem entre si porque detêm o subcódigo do jargão teológico etc. etc.

A língua literária é também uma língua de jargão, com um subcódigo próprio (em poesia, por exemplo, em vez de dizer "speranza" é possível dizer "speme", mas nós não estranhamos essa coisa engraçada porque se sabe que o subcódigo da língua literária italiana demanda e admite que, em poesia, sejam usados latinismos, arcaísmos, palavras truncadas etc. etc.).

O jornalismo não é senão um ramo menor da língua literária: para compreendê-lo, valemo-nos de uma espécie de sub-subcódigo. Em palavras pobres, os jornalistas são simplesmente escritores que, a fim de vulgarizar e simplificar conceitos e representações, se valem de um código literário, digamos -para ficarmos no campo esportivo-, de segunda divisão. Assim a linguagem de Brera é de segunda divisão se comparada à linguagem de Carlo Emilio Gadda [escritor italiano, 1893-1973] e de Gianfranco Contini [crítico literário].

E a língua de Brera é, talvez, o caso mais bem qualificado do jornalismo esportivo italiano. Portanto não existe conflito "real" entre escritura literária e jornalística: o problema é que esta, coadjuvante como sempre foi, agora exaltada por seu uso na cultura de massa (que não é popular!), encampa pretensões um tanto soberbas, de "parvenu". Mas vamos ao futebol.

O futebol é um sistema de signos, ou seja, uma linguagem. Ele tem todas as características fundamentais da linguagem por excelência, aquela que imediatamente tomamos como termo de comparação, isto é, a linguagem escrita-falada.

"Podemas"

De fato as "palavras" da linguagem do futebol são formadas exatamente como as palavras da linguagem escrita-falada. Ora, como se formam estas últimas? Formam-se por meio da chamada "dupla articulação", isto é, por infinitas combinações dos "fonemas" -que, em italiano, são as 21 letras do alfabeto.

Os "fonemas" são, pois, as "unidades mínimas" da língua escrita-falada. Se quisermos nos divertir definindo a unidade mínima da língua do futebol, podemos dizer: "Um homem que usa os pés para chutar uma bola". Aí está a unidade mínima, o "podema" (se quisermos continuar a brincadeira). As infinitas possibilidades de combinação dos "podemas" formam as "palavras futebolísticas"; e o conjunto das "palavras futebolísticas" constitui um discurso, regulado por normas sintáticas precisas.

Os "podemas" são 22 (mais ou menos como os fonemas): as "palavras futebolísticas" são potencialmente infinitas, porque infinitas são as possibilidades de combinação dos "podemas" (o que, em termos práticos, equivale às passagens da bola entre os jogadores); a sintaxe se exprime na "partida", que é um verdadeiro discurso dramático.

Os cifradores desta linguagem são os jogadores; nós, nas arquibancadas, somos os decifradores: em comum, possuímos um código.

Quem não conhece o código do futebol não entende o "significado" das suas palavras (os passes) nem o sentido do seu discurso (um conjunto de passes).

Não sou nem Roland Barthes [1915-1980] nem Greimas [lingüista, 1917-92], mas, como diletante, se quisesse, poderia escrever um ensaio sobre a "língua do futebol" bem mais convincente do que este artigo. Aliás, penso que se poderia escrever um belo ensaio intitulado "Propp Aplicado ao Ludopédio", já que, naturalmente, como qualquer língua, o futebol tem o seu momento puramente "instrumental", rígida e abstratamente regulado pelo código, e o seu momento "expressivo".

Pouco antes, disse que toda língua se articula em várias sublínguas, cada qual com um subcódigo.

Pois bem, com a língua do futebol também é possível fazer distinções desse tipo: o futebol também possui subcódigos, na medida em que, de puramente instrumental, se torna expressivo.

Há futebol cuja linguagem é fundamentalmente prosaica e outros cuja linguagem é poética. Para explicar melhor a minha tese, darei -antecipando as conclusões- alguns exemplos: [o meio-de-campo italiano] Bulgarelli joga um futebol de prosa, é um "prosador realista"; Riva [maior goleador da história da seleção italiana] joga um futebol de poesia, é um "poeta realista".


Corso joga um futebol de poesia, mas não é um "poeta realista": é um poeta meio "maudit", extravagante.

Prosa e poesia

Rivera [meio-campista italiano que disputou a final da Copa de 1970, contra o Brasil] joga um futebol de prosa: mas sua prosa é poética, de "elzevir".

Também Mazzola [João José Altafini. Jogou pelo Palmeiras e pela seleção brasileira, sendo campeão em 1958. Depois se transferiu para a Itália e se naturalizou italiano, chegando a jogar pela seleção na final da copa de 70 contra o Brasil] é um prosador elegante e poderia até escrever no "Corriere della Sera", mas é mais poeta que Rivera: de vez em quando ele interrompe a prosa e inventa, de repente, dois versos fulgurantes.

Note-se que não faço distinção de valor entre a prosa e a poesia; minha distinção é puramente técnica.

Entretanto nos entendamos. A literatura italiana, sobretudo a mais recente, é a literatura dos "elzevires": os escritores são elegantes e, no limite, estetizantes; a substância é quase sempre conservadora e meio provinciana... Em suma, democrata-cristã. Todas as linguagens faladas em um país, mesmo as mais especializadas e espinhosas, têm um terreno comum, que é a cultura desse país: a sua atualidade histórica.

Assim, justamente por razões de cultura e de história, o futebol de alguns povos é fundamentalmente de prosa, seja ela realista ou estetizante (este último é o caso da Itália); ao passo que o futebol de outros povos é fundamentalmente de poesia.

Há no futebol momentos que são exclusivamente poéticos: trata-se dos momentos de gol. Cada gol é sempre uma invenção, uma subversão do código: cada gol é fatalidade, fulguração, espanto, irreversibilidade. Precisamente como a palavra poética. O artilheiro de um campeonato é sempre o melhor poeta do ano. Neste momento, [Giuseppe] Savoldi [jogador do Bolonha, do Nápoli e da seleção italiana] é o melhor poeta. O futebol que exprime mais gols é o mais poético.

O drible é também essencialmente poético (embora nem sempre, como a ação do gol). De fato, o sonho de todo jogador (compartilhado por cada espectador) é partir da metade do campo, driblar os adversários e marcar. Se, dentro dos limites permitidos, é possível imaginar algo sublime no futebol, trata-se disso. Mas nunca acontece. É um sonho (que só vi realizado por Franco Franchi [1922-92, um dos principais nomes do cinema cômico italiano] nos "Mágicos da Bola", o qual, apesar do nível tosco, conseguiu ser perfeitamente onírico).

Quem são os melhores dribladores do mundo e os melhores fazedores de gols? Os brasileiros. Portanto o futebol deles é um futebol de poesia -e, de fato, está todo centrado no drible e no gol.
A retranca e a triangulação é futebol de prosa: baseia-se na sintaxe, isto é, no jogo coletivo e organizado, na execução racional do código. O seu único momento poético é o contrapé seguido do gol (que, como vimos, é necessariamente poético). Em suma, o momento poético do futebol parece ser (como sempre) o momento individualista (drible e gol; ou passe inspirado).

O futebol de prosa é o do chamado sistema (o futebol europeu). Nesse esquema, o gol é confiado à conclusão, possivelmente por um "poeta realista" como Riva, mas deve derivar de uma organização de jogo coletivo, fundado por uma série de passagens "geométricas", executadas segundo as regras do código (nisso Rivera é perfeito, apesar de Brera não gostar, porque se trata de uma perfeição meio estetizante, não-realista, como a dos meio-campistas ingleses ou alemães).

O futebol de poesia é o latino-americano. Esquema que, para ser realizado, demanda uma capacidade monstruosa de driblar (coisa que na Europa é esnobada em nome da "prosa coletiva"): nele, o gol pode ser inventado por qualquer um e de qualquer posição. Se o drible e o gol são o momento individualista-poético do futebol, o futebol brasileiro é, portanto, um futebol de poesia. Sem fazer distinção de valor, mas em sentido puramente técnico, no México [em 1970] a prosa estetizante italiana foi batida pela poesia brasileira.

Tradução de Maurício Santana Dias

Retirado de http://www1.folha.uol.com.br

domingo, 5 de janeiro de 2014

UMA IMAGEM



















Que a ferocidade em campo se transforme em tranquilo descanso.

sábado, 4 de janeiro de 2014

ELÓIGICO E SUAS LÓGICAS























Elóigico é um fanático torcedor do São Sebastião Futebol Clube que sempre coloca a paixão à frente da razão – como quase todos os torcedores, né? E quem fica perdida com tanto fanatismo de Elóigico é sua filha, Edinha, que mora junto com seu pai em uma simples casinha que vive futebol 24 horas por dia.

Desenho de Paulo Sales e roteiro de Diano Massarani.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

PRECISA-SE DE CONHECIMENTO


Sobre o aumento do número limite de estrangeiros por time brasileiro para cinco, dois assuntos se tornam de debate obrigatório. O primeiro deles é se o nosso futebol se tornará menos revelador de craques pela possibilidade de se escalar quase meio time com estrangeiros, um fenômeno bem conhecido na Europa. O segundo é saber se os clubes tupiniquins estão preparados para buscar o melhor que se encontra nos vizinhos sul-americanos. E é no segundo assunto que este bate-papo se debruça, e, de supetão, afirmo: os clubes brasileiros têm um conhecimento mínimo sobre o pé de obra no restante do continente.

Crentes de que um punhado de DVDs com melhores momentos montados pelos empresários dos jogadores é suficiente, os clubes brasileiros não possuem a estrutura capaz de fornecer conhecimento acerca dos jogadores sul-americanos. Qual foi a revelação do último Apertura Chileno? Quem foi o goleiro menos vazado do Apertura Uruguaio 2013, recém-terminado? De todas as ligas sul-americanas, quem foi o jogador com menos de 23 anos e mais gols marcados no ano passado? Conheceria um meio-campista experiente e cerebral? Um zagueiro jovem e alto? Um centroavante trombador? Um lateral de cruzamento certeiro? Um volante com melhor passe do que poder de marcação?

Pois bem, amigos, qualquer que tenha sido clube alvo destas perguntas, as respostas não seriam facilmente acessadas. Muito por estes clubes serem reféns dos empresários dos jogadores e mais ainda pela ausência de, digamos, comissões de observadores. Não precisa ser um grande entendedor de economia para saber que o salário de um jogador graúdo, repleto de zeros, seria suficiente para manter uma comissão de observadores em cada um dos outros nove países sul-americanos. In loco, estes observadores assistiriam às partidas ao vivo (nada de montagens com alguns lances), acompanhariam os debates existentes na imprensa local, buscariam informações contratuais e organizariam planilhas e planilhas de conhecimento técnico, tático, físico e psicológico (comportamental) dos jogadores.


Como destino final, todas estas informações seriam centralizadas no departamento responsável por realizar as contratações. Aí sim os interesses do clube estariam menos contaminados pelos dos empresários, os elencos realmente se tornariam mais fortes e o aumento do número de vagas para estrangeiros acabaria por resultar num Campeonato Brasileiro de maior nível. Do jeito que está o aumento de vagas traz apenas mais oportunidades de se atirar no escuro. 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

FELIZ 2014!!!














Neste primeiro dia do ano, o FUTEBOLA gostaria de desejar a todos os amigos leitores um 2014 de muitos sonhos realizados.