quarta-feira, 29 de julho de 2009

PELA ESTRADA AFORA - TROFÉU JOAN GAMPER 1982

Durante a segunda metade da década de 70, o Internacional contou com o mais vencedor time do futebol brasileiro. Em 1979, para se ter uma idéia, o Colorado conseguiu a façanha de se sagrar Campeão Nacional de maneira invicta. Isso mesmo, sem perder sequer um dos 23 jogos que disputou. Era uma equipe recheada de grandes jogadores e o líder técnico desta época de ouro do Inter foi Paulo Roberto Falcão. No início da década de 80, entretanto, Falcão foi mostrar sua arte em Roma e, pouco a pouco, outros campeões invictos foram dando adeus ao Internacional. Batista e Mário Sérgio, dois dos maiores jogadores da época, e que formavam o tripé de meio-campo com Falcão, são exemplos de jogadores que o Internacional perdeu.

Em 1982, ainda colhendo os frutos do esquadrão da década anterior, o Colorado foi convidado para participar do Troféu Joan Gamper, um torneio organizado pelo Barcelona e que possui este nome em homenagem ao fundador do clube. Este torneio tem como principal objetivo apresentar para os torcedores do Barça a equipe que irá atuar na temporada, sendo considerado, para muitos, o mais conceituado torneio de verão que ocorre na Espanha. Neste ano de 1982, em especial, o torcedor do Barcelona estava louco para ver sua equipe jogar. O motivo? O clube catalão havia contratado ninguém menos que Diego Armando Maradona. A briga pelo famoso troféu seria grande pois, além do favoritíssimo time da casa, também marcavam presença o alemão Colônia, campeão no ano anterior, e o inglês Manchester City.

O torneio seria disputado de forma simples, com os duelos Barcelona x Internacional e Colônia x Manchester City decidindo quais equipes disputariam a final. O jogo entre Colônia e Manchester City contou com a presença de dois grandes goleiros da época. A meta da equipe alemã era defendida pelo impopular Toni Schumacher. O também arqueiro da Seleção Alemã além de se meter em problemas extra-campo, teve sua imagem muito manchada após uma agressão ao francês Battiston, durante a Copa do Mundo de 1982. Mesmo estando longe de ser um santo, Schumacher sabia muito bem o que fazer debaixo das traves, sendo um dos maiores jogadores da história do Colônia e defendendo a Seleção em 76 jogos, sagrando-se por duas vezes vice-campeão mundial. Já do lado do Manchester City, era o grande Joe Corrigan, segundo jogador que mais vestiu a camisa da equipe na história, atuando por lá entre 1967 e 1983, o encarregado de evitar os gols. Muitos especialistas do futebol inglês dizem que se não fosse contemporâneo do goleiraço Peter Shilton, Corrigan teria uma carreira de sucesso como titular da Seleção Inglesa.

O primeiro duelo semi-final terminou com vitória, nos pênaltis, do Manchester City, após empate de 1 a 1. O resultado foi muito contestado pelos jogadores do Colônia e pelo lendário Rinus Michels, que havia treinado a Holanda na Copa 1974, conhecida como Laranja Mecânica, e na época comandava o Colônia. O motivo da reclamação foi o fato de que o último pênalti convertido pelo Manchester City, que deu a classificação para a equipe, ter sido cobrado por um jogador que havia sido substituído.

O rival do Manchester na decisão seria conhecido no duelo entre Barcelona e Internacional. O reformado e ampliado Camp Nou recebia um grande público para assistir o primeiro jogo de Maradona em casa (ele havia estreado poucos dias antes, mas este seria seu primeiro jogo no estádio catalão). Parecia que o Internacional estava ali apenas para ocupar espaço no campo. O próprio treinador do Manchester City havia dito após a vitória de seu time que “esta noche mi equipo ha jugado bien y ha merecido el triunfo. Creo que medimos con el Barcelona en la final será una gran experiencia y un honor.”* O único destaque dado ao Internacional era a presença do meia Cléo, que havia passado 3 meses no próprio Barcelona sem ao menos ter tido a chance de treinar com os titulares. De volta ao Brasil e ao Inter, Cléo dizia não ter mágoas do Barça e do treinador Udo Lattek, mas no fundo devia estar louco de vontade de mostrar o que sabia.

Os espanhóis não sabiam que o Internacional era bem mais do que um bom jogador que eles desprezaram. No gol, o Colorado contava com o seguro e experiente Benítez, um dos remanescentes do título brasileiro invicto de 1979. Quem também fez parte daquele timaço e ainda vestia o manto vermelho era, simplesmente, Mauro Galvão. Com apenas 21 anos, Mauro Galvão já mostrava a qualidade que o faria ser um dos maiores zagueiros do futebol brasileiro, em todos os tempos. Para se ter uma idéia da longa e sensacional carreira do craque, Galvão é o único jogador na história que conseguiu vencer, em três décadas diferentes, o prêmio Bola de Prata, dado pela Revista Placar ao melhor jogador de cada posição do Brasileirão. Em 1979 e 1985, o prêmio foi conquistado defendendo o Inter e em 1997, a honra foi obtida com a camisa do Vasco da Gama.

Se o setor defensivo ainda contava com a ajuda do lateral-direito Edevaldo, dono de um vigor físico invejável e que havia feito parte da encantadora Seleção Brasileira de 1982, a estrela ofensiva do Colorado era o uruguaio Rúben Paz. Fica muito difíficil achar apenas uma palavra para ilustrar o futebol de Paz. Jogador muito inteligente, habilidoso e criativo, também possuía uma canhota de impressionante precisão. O meia chegava ao Internacional com nada menos do que 4 títulos uruguaios conquistados pelo Peñarol além do Mundialito de 1980 pela Seleção de seu país. O Mundialito foi organizado pela FIFA para comemorar os 50 anos da primeira Copa do Mundo, e contou com Brasil, Uruguai, Argentina, Alemanha, Itália e Holanda, ou seja, o que de melhor tem no planeta bola. Desfilaram pelos gramados talentos como Maradona, Sócrates, Rummenigge e Bruno Conti, porém o vencedor do prêmio de melhor jogador do torneio foi... Ele mesmo, Rúben Paz. E os espanhóis acreditavam que o Internacional viajara para a Espanha para ser saco de pancadas.

Os torcedores que enchiam o Camp Nou não ficaram nem um pouco satisfeitos com o andamento da partida. O Internacional mostrando o característico poder de marcação das equipes gaúchas, não deixava o Barcelona andar em campo. Alguns poucos dias antes, em jogo válido pelo Torneio Teresa Herrera, Inter e Barça haviam se enfretado, com o clube catalão vencendo por 1 a 0. Talvez por este motivo, por já ter um conhecimento de como o Barcelona jogava, o Internacional conseguia se defender muito bem. Após o intervalo, o jogo voltou mais quente com Maradona e Edevaldo conseguindo acertar as traves. A entrada do craque alemão Bernd Schuster, a outra grande contratação azul-grená para a temporada, fez com que o Barça se mostrasse mais perigoso, porém apenas mais um chute na trave, do próprio Schuster, foi conseguido. Assim como a outra semi-final, esta partida também foi decidida somente nos pênaltis, onde o Internacional mostrou toda sua competência ao não desperdiçar nenhuma de suas cobranças e conquistar a vaga na finalíssima.

A imprensa espanhola que estava louca para assistir um duelo entre Barcelona e Colônia, na decisão do Joan Gamper, agora buscava explicações para as derrotas dos favoritos. O Internacional, muito mais leve após eliminar os donos da casa, teve uma atuação de altíssimo nível contra o Manchester City. Se o treinador inglês John Bond acreditava que enfrentar o Barça na decisão seria uma honra para sua equipe, deveria ser obrigado a bater palmas diante do grande show colorado. Com Mauro Galvão impecável na defesa e o trio formado por Paulo César, Rúben Paz e Silvinho em apresentação de gala, o Manchester City não teve forças para evitar que o Internacional se tornasse a primeira, e até hoje a única, equipe não-européia a vencer o Troféu Joan Gamper. Os gols do título foram marcados por Edevaldo, Paulo César e Fernando Roberto, e o diário espanhol “El Mundo Deportivo” analisou assim a atuação colorada: “A lo largo de los nóventa minutos, el Inter fue el mejor equipo sobre el campo. Daba auténtica gloria ver cómo tocaban y hasta manoseaban la palota los brasileños, con sus pases medidos al primor toque, su sentido de la anticipación y su visión del hueco.”**

Os torcedores do Barcelona esperavam ver uma estréia de gala de Diego Maradona, no estupendo Camp Nou, porém tiveram que assistir ao capitão colorado André Luís erguer o portentoso troféu e o Barça, após perder para o Colônia nos pênaltis, terminar em último lugar.

Equipe-base: Benítez; Edevaldo, Mauro Pastor, André Luís e Muller; Mauro Galvão, Ademir, Cléo e Rubén Paz; Paulo César e Silvinho.
Também atuaram: Bereta, Joãozinho, Sílvio, Fernando Roberto e Andrezinho

*El Mundo Deportivo – 25 de agosto de 1982
**El Mundo Deportivo – 26 de agosto de 1982

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