domingo, 18 de abril de 2010

Grandes Clássicos - Santos x São Paulo 1933

Olá amigos do FUTEBOLA!

Hoje é dia de San-São na Vila Belmiro. Jogo importante, valendo vaga na final do Paulistão. Ao longo dos anos, estes dois grandes clubes protagonizaram inúmeros confrontos históricos, sendo que um dos mais importantes foi um amistoso. Isso mesmo, um dos duelos mais marcantes entre Santos e São Paulo foi um amistoso, e é justamente sobre ele que o “Grandes Clássicos” de hoje vai falar.

Se fizéssemos uma retrospectiva dos anos mais importantes da história do futebol brasileiro, acredito que dois deles brigariam pelo posto de número um: 1933 e 1958. Foi em 1958 que o Brasil conquistou pela primeira vez uma Copa do Mundo, colocando para escanteio o famoso “complexo de vira-latas” criado por Nélson Rodrigues e aliviando um pouco da dor causada pelo “Maracanazzo”. Porém de 58 falaremos em outra oportunidade. Hoje vamos contar uma história ocorrida em 1933, ano da chegada do profissionalismo e que mudou por completo o rumo do futebol brasileiro.

A adoção do profissionalismo por nossos clubes não foi um processo pacífico. Novas Ligas e Associações foram criadas, alguns clubes fecharam suas portas e grandes jogadores brasileiros foram impedidos de atuar na Copa do Mundo de 1934, pois não estavam filiados à CBD (Confederação Brasileira de Desportos), órgão que comandava nosso futebol e era o principal pólo de defesa do amadorismo. Mas a sementinha estava plantada e a hipocrisia, já que diversos clubes defensores do amadorismo pagavam seus craques nas escuras, não tardaria a cair. Para inauguração da nova era, a APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos), um dos principais pilares de sustentação do profissionalismo, escolheu São Paulo e Santos para realizarem o primeiro jogo de futebol profissional da história do Brasil.

Antes de falarmos sobre este histórico San-São, vale fazer uma ressalva. Nesta época, o São Paulo Futebol Clube era conhecido por São Paulo da Floresta e havia sido fundado em 25 de janeiro de 1930 (alguns meios de comunicação datam 26 de janeiro como dia da fundação) pela união da Associação Atlética das Palmeiras (que não possui nenhuma relação com o Palmeiras que conhecemos hoje) com o Club Athlético Paulistano. Em 14 de maio de 1935, após contrair uma grande dívida devido à compra de uma nova sede, o departamento de futebol do São Paulo Futebol Clube foi extinto e a parte administrativa foi fundida ao Clube de Regatas Tietê. Completamente inconformados com o fim do Tricolor Paulista, alguns apaixonados sócios decidiram trazer o clube de volta e, após um processo que durou aproximadamente 7 meses, mais precisamente em 16 de dezembro de 1935, o São Paulo Futebol Clube foi refundado. Simplificando, podemos dizer que o grande São Paulo foi fundado em 1930 e passou um pequeno período inativo em 1935.

No ano de 1933, o torcedor santista não estava muito esperançoso com a equipe. Entre 1927 e 1931, o Santos havia terminado o Paulistão em 2º lugar em quatro oportunidades, exceto 1930 quando foi o 3º lugar. A melhor ilustração da grande qualidade desta equipe santista do final da década de 20 era o poder de sua linha ofensiva, que em 1927 fez o Santos se tornar o primeiro time a anotar 100 gols no Campeonato Paulista, atingindo a inacreditável marca de 6,25 gols por jogo. Porém, em 1933, a dupla Feitiço e Araken Patuska, simplesmente os dois maiores artilheiros da história do Santos pré-Pelé, não estavam mais no clube. E para deixar o torcedor santista ainda mais preocupado, quem, desde 1930, contava com a elegância e faro de gol de Araken era o rival no jogo de nascimento do profissionalismo, São Paulo.

O goleiro santista na época era excelente debaixo das traves, porém seria ainda mais importante pro clube depois de se aposentar dos gramados. Após fornecer ao Alvi-Negro Praiano suas qualidades de grande goleiro, Athiê Jorge Cury, que quando jogador era simplesmente Athiê, se tornou presidente do Santos Futebol Clube, melhor dizendo, se tornou o presidente que mais tempo ocupou o cargo na história do clube, de 1945 e 1971. Pois é, durante os anos mais vitoriosos do Santos, a conhecida Era-Pelé, o presidente do clube era o ex-goleiro Athiê. Na outra ponta do campo, lá no ataque, o destaque ficava por conta de Mário Seixas. Em 1922, ainda com 20 anos, Seixas, então atuando pelo Americano-RJ já mostrava grande qualidade chegando a ser convocado pela Seleção Brasileira. Pelo Santos, o atacante marcaria 67 gols em quatro anos (1931-1935) e faria parte da equipe que seria Campeã Paulista em 1935.

Se em 1933 o Santos, apesar de contar com alguns ótimos jogadores, não era um esquadrão, não podemos dizer o mesmo do São Paulo. Em 1933, o Tricolor era realmente um “Esquadrão de Aço”, apelido que recebeu na época. Vejamos algumas sapatadas que o Sampa aplicou em seus rivais no ano:

SÃO PAULO 7 X 1 YPIRANGA (SP)
SÃO PAULO 5 X 0 SÃO BENTO (SP)
SÃO PAULO 5 X 1 VASCO DA GAMA
SÃO PAULO 7 X 1 SÍRIO (SP)
SÃO PAULO 7 X 3 FLAMENGO
SÃO PAULO 7 X 4 AMÉRICA (RJ)
SÃO PAULO 12 X 1 SÍRIO (SP)
SÃO PAULO 6 X 1 CORINTHIANS – maior goleada da história do clássico
SANTOS 2 X 6 SÃO PAULO, na Vila Belmiro
FLUMINENSE 2 X 5 SÃO PAULO, no Estádio das Laranjeiras

Amigos, não teria como ser diferente. Com a linha ofensiva que o São Paulo possuía, balançar as redes estava longe de ser uma tarefa difícil. Como citei anteriormente, ninguém menos do que Araken Patuska estava presente na linha de frente tricolor. Sempre com sua brilhantina no cabelo e um bigodinho bem cultivado, Araken mostrava elegância também com a pelota nos pés. Além de muito habilidoso, Araken sabia como sacudir o filó. Pelos lados do campo, o Sampa possuía dois dos que viriam a ser figurinhas obrigatórias em qualquer eleição dos maiores pontas da história do futebol brasileiro. Pela direita, Luizinho Mesquita mostrava um futebol repleto de qualidades. É uma tarefa quase impossível escolher uma característica principal dentre as muitas que o craque possuía, já que era um ponta de grande velocidade, driblador nato e parecia jogar com uma régua amarrada nas chuteiras, tamanha a precisão de seus cruzamentos e chutes. Vale ressaltar que todas estas qualidades de Luizinho estiveram a serviço da Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 1934 e 1938. Se em 1933 Luizinho já era um dos pilares do Tricolor, sendo importantíssimo desde a conquista do caneco paulista em 1931, no outro lado, pela ponta-esquerda, um novato começaria a mostrar seu futebol neste ano. Apenas uma coisa era mais forte e potente do que os chutes do ponta que chegara ao São Paulo, vindo do Juventus. Era seu nome: Hércules. Uma frase sensacional de Geraldo Romualdo da Silva, um dos nossos grandes cronistas esportivos, definiu bem o futebol de Hércules. De acordo com ele, Hércules possuía “um canhão no pé esquerdo e um míssil no direito”. Esta frase foi dita durante a passagem de Hércules pelo Fluminense, na segunda metade dos anos 30, quando ele se consagrou como um dos maiores pontas da história do futebol brasileiro.

Assim como Hércules, um outro futuro cracaço de bola começava a mostrar sua categoria com a camisa tricolor. Sabem aquele tipo de jogador que faz gols como se fosse a coisa mais fácil do mundo? Pois é, Waldemar de Brito era um deles. Só para ilustrar a relação estreita que Waldemar possuía com as redes, na sua primeira temporada pelo São Paulo, esta mesmo de 1933, ele se sagrou artilheiro do Campeonato Paulista e Torneio Rio-São Paulo. Entretanto, assim como o goleiro do Santos Athiê, que ficou mais famoso após abandonar as quatro-linhas, Waldemar de Brito também escreveu seu nome na eternidade após largar os gramados. O motivo? Ter levado para o Santos um escurinho que ele assistiu nos campinhos de Bauru e que mais tarde se tornaria o maior jogador de futebol de todos os tempos. Foi o artilheiro tricolor Waldemar de Brito quem “descobriu” Pelé.

Bom, acredito que um ataque que contava com Luizinho, Waldemar de Brito, Araken Patuska e Hércules já tiraria o sono de qualquer sistema defensivo que teria a missão de pará-lo. Mas acreditem, ainda faltava a estrela principal, o maior jogador brasileiro da era do amadorismo: Arthur Friedenreich. Reza a lenda que Fried marcou mais de 1000 gols na carreira, o que está escrito até mesmo no Guiness Book Of Records. Estes gols foram contabilizados por seu pai e mais tarde por um amigo, cuja a família perdeu os dados após seu falecimento. Mas Fried fazia tantos, mas tantos gols, que uma recontagem feita pelo pesquisador Alexandre Costa para o livro “O Tigre do Futebol”, que diga-se de passagem é um livraço que já li duas vezes, apontou 556 gols em 561 partidas, o que resulta em uma média de 0,99 gols por jogo. Além desta capacidade extraterrestre de marcar gols, Fried também era um leão, ou melhor, um tigre em campo. Foi no Sul-Americano de 1916, o primeiro realizado, que Friedenreich recebeu o apelido de “El Tigre”, devido à sua grande agilidade e ainda maior garra. Apesar do nome e da descendência alemã, Fried era um brasileiro como poucos. Uma passagem do citado livro de Alexandre Costa nos mostra isso com perfeição: “Os confrontos entre Brasil e Argentina sempre foram regados a muita rivalidade, violência e até um pouco de futebol. Em 1921, o Paulistano foi convidado para uma rápida excursão aos nossos vizinhos platinos. Mais técnicos, os brasileiros suportaram bem a pressão adversária, arrancando um suado 1 x 0. Inesquecível, porém, foi o que aconteceu perto do fim da partida. A torcida local, enfurecida, afinal sua seleção perdia para um clube, ateia fogo em uma bandeira do Brasil. Do campo, Friedenreich vê a chocante cena e fica louco da vida. Abandona o jogo e sai correndo, alucinado, em direção à bandeira que se esvaia em chamas. Com sua camisa, apaga o incêndio e consegue salvar um pequeno pedaço do manto que, para Fried, seria uma relíquia guardada até sua morte. O estádio inteiro ficou impressionado com a atitude do Tigre brasileiro. Foram longos 60 segundos de um silêncio ensurdecedor.”

A partida estava datada para o dia 12 de março e uma curiosidade marcava a escalação do São Paulo. O goleiro, os zagueiros e os médios tricolores, todos, sem nenhuma exceção, fariam sua primeira partida com a camisa do São Paulo. Destes estreantes, o médio Zarzur era o destaque. Recém-contratado junto ao Vasco, clube onde formou junto com o uruguaio Figliola e o argentino Dacunto a famosa linha-média conhecida como “Três Mosqueteiros”, Zarzur possuía liderança e qualidade defensiva que seriam de gigantesca importância para o São Paulo. Mais duas novidades estavam presentes na escalação são-paulina. Para a alegria dos tricolores, Friedenreich, que era dúvida para o jogo, pois estava contundido, foi confirmado. Por outro lado, Luizinho amanheceu doente e seria substituído por Patrício. Muitos torcedores do Sampa viajaram até Santos para assistir ao confronto e, como sempre ocorreu na história do futebol, aproveitaram para tirar sarro dos santistas chamando-os de “peixeiros”. O que os tricolores não sabiam era que esta simples brincadeira com o povo praiano originaria o apelido de “Peixe” que até hoje acompanha o Santos. Como se não bastasse a importância do duelo que estava por começar, um grande fato já estava sendo escrito na história do futebol paulista, afinal em qualquer canto deste Brasil Santos e “Peixe” são sinônimos.

A partir do apito inicial, cada segundo de jogo seria marcante. Teria o futebol profissional brasileiro o seu primeiro escanteio, a primeira falta, o primeiro lateral... E adivinhem quem foi o encarregado de ser o autor do gol de número 1 da história do profissionalismo? Isso mesmo, só poderia ter sido ele. Aos 18 minutos da 1ª etapa Fried dribla seu marcador e, de canhota, sacode o barbante. O São Paulo permanece mostrando seu poder ofensivo e o futuro presidente Athiê sofria para tentar contê-los. Já no finalzinho do 1º tempo, aos 45 minutos, Fried inicia mais uma jogada e, desta vez, rola a pelota para Araken Patuska ampliar o placar. Logo após o intervalo, o atacante santista Logu diminui a vantagem tricolor e parece que vai colocar fogo no jogo, mas os torcedores tricolores nem se assustaram, pois com Waldemar de Brito em campo, não tem placar em branco. Em menos de 10 minutos, mais precisamente aos 21 e 29 da 2ª etapa, Waldemar balançou as redes duas vezes e transformou o jogo em goleada. O Santos não tinha nem idéia do que fazer para parar o “Esquadrão de Aço”. Fechando o caixão praiano, Fried e Araken tabelam novamente e o último colocou 5 x 1 no placar.

Somente em 1937, após muitas disputas e jogos de interesses entre defensores do amadorismo e do profissionalismo, o futebol profissional se consolidou no Brasil quando, em troca de se manter no comando do futebol do país, a CBD aceitou o profissionalismo. E tudo começou lá em 1933, quando o “Esquadrão de Aço” de Friedenreich, Araken Patuska e cia goleou o Santos em plena Vila Belmiro.

Santos 1 x 5 São Paulo
12 de março de 1933
Vila Belmiro – Público: desconhecido
Gols: 1º tempo: Friedenreich (SPa) aos 18’ e Araken (SPa) aos 45’; 2º tempo: Logu (San), Waldemar de Brito (SPa) aos 21’, Waldemar de Brito (SPa) aos 29’ e Araken (SPa) aos 41’.
Santos: Athiê; Meira e Garcia; Waldomiro, Bisoca (Dino) e Alfredo (Bisoca); David, Armandinho (Victor), Catitu (Strauss), Seixas e Logu.
São Paulo: Moreno; Sylvio Hoffmann e Iracino; Ferreira, Zarzur e Orozimbo (Rapha); Patrício, Waldemar de Brito, Friedenreich, Araken e Hércules.

Nenhum comentário:

Postar um comentário