Grandes Clássicos - Flamengo x Fluminense 2004
Olá amigos leitores do FUTEBOLA!
A última rodada da fase de grupos da Taça Rio vai ter a honra de contar com o clássico Fla-Flu. O Fluminense já entra em campo classificado, e o Flamengo só perde a vaga por uma fatalidade daquelas. Um jogo frio, certo? Errado. Muito errado. Só por disputarem um Fla-Flu, os jogadores já entram em campo com um friozinho na barriga. É talvez o clássico mais tradicional do futebol brasileiro. No ano de 2004, valendo o título da Taça Guanabara, Flamengo e Fluminense se enfrentaram em um jogaço de bola. Mais uma página foi incrivelmente escrita no livro de histórias do Fla-Flu.
Existem alguns torneios que já nascem fadados ao sucesso, e o Campeonato Carioca de 2004 foi um deles. O número pequeno de equipes (apenas 12, divididas em 2 grupos) fazia com que qualquer jogo fosse decisivo. A disputa da Taça Guanabara então, não podia ser mais carismática. Valendo pelo 1º turno do Estadual, os clubes se enfrentariam dentro de seus respectivos grupos (totalizando 5 jogos cada time), com os dois primeiros de cada grupo passando para a fase semi-final. Os jogos semi-finais e a final seriam únicos, sendo o jogo derradeiro disputado em pleno sábado de carnaval, com o Campeão da Taça Guanabara garantindo vaga na decisão do Estadual. Apesar de todos os benefícios do regulamento, a maior propaganda que podia ter o torneio foi o elenco que o Fluminense montou para a disputa.
Contando com o apoio financeiro da Unimed, o Fluminense conseguiu armar um time para a disputa do Carioca de 2004 que, de tanta espectativa gerada, chegou a ser chamado de “Os Galácticos” e “Nova Máquina Tricolor”. A empolgação era justificada pelo quarteto ofensivo do Fluzão. O principal articulador das jogadas seria o já conhecido, e ídolo da galera tricolor, Roger. Completamente identificado com o clube, Roger havia sido, ao lado do treinador Parreira, o maior símbolo da ressurreição do Fluminense, ao conquistar a 3ª divisão do Brasileiro, em 1999. Para ajudar Roger na organização das jogadas a equipe contaria com Ramón, um dos expoentes de um dos maiores períodos de glórias da história do Vasco, no final da década de 90. Dois armadores habilidosos, técnicos e categóricos, que teriam a missão de abastecer um ataque que ninguém imaginaria ser capaz de existir novamente. Os novos atacantes tricolores já haviam sido melhores amigos, daqueles inseparáveis e até cantaram funk juntos, mas por algum motivo brigaram, se afastaram, passaram a trocar farpas. Foi durante este período em que não se falavam que entrou o Fluminense na história e conseguiu juntá-los novamente. No Carioca de 2004, seria possível assistir Romário e Edmundo, uma vez mais, lado a lado.
Qual zagueiro conseguiria ter um sono tranquilo, sabendo que no dia seguinte teria que marcar a dupla Romário / Edmundo? Não existia. Todos sentiriam um frio na barriga só de pensar nesta árdua tarefa. Romário, apesar de quase 38 anos, ainda esperava mandar muitas bolas para o fundo das redes. Esta seria a sua segunda passagem pelo tricolor (havia atuado no clube em 2002 e 2003, quando foi negociado com o Qatar), e mesmo já tendo marcado muitos gols na primeira, não havia conquistado nenhum título. Ou seja, retornava para o Fluminense um Romário sedento por troféus. Já Edmundo queria provar que ainda era um grande jogador. Desde 2000, o “Animal”, como é conhecido, atuara por 6 diferentes clubes, sem conseguir destaque em nenhum deles. Sua chegada ao Fluminense enchia ele e a torcida tricolor de esperanças no retorno do seu estrondoso futebol.
Durante a fase de grupos, o Fluminense mostrou seu poder e, mesmo com as estrelas se contundindo constantemente, chegou a excelentes 15 gols marcados, 4 vitórias e apenas uma derrota. Mas não perdeu um jogo qualquer, perdeu um clássico. E não era um clássico qualquer, era um Fla-Flu. E não era um Fla-Flu qualquer, mas um em que o Fluminense abriu 3 a 1 com uma atuação espetacular de Romário, e o Flamengo conseguiu vencer por 4 a 3. Se o Flamengo fez uma fase de grupos cambaleante, esse clássico mostrou um lampejo do gigante que poderia se tornar a equipe rubro-negra. Se Flamengo teve alguns tropeços na fase de grupos, como a derrota para o América e o empate com o Friburguense, essa vitória no Fla-Flu, da maneira que foi, deixou a torcida confiante de que a equipe tinha o principal ingrediente para merecer o apoio das arquibancadas: raça. O rubro-negro mostrava garra até em seu treinador, Abel Braga, e os pratas-da-casa estavam colocando, a cada jogo, o coração na ponta das chuteiras. A torcida olhava para Júlio César, um dos maiores goleiros, talvez o maior, que o Flamengo já revelou, e sabia estar diante de um flamenguista até a alma. O que falar então da dupla de meias Zinho / Íbson. Zinho um veterano, Íbson um garoto. Zinho um multi-campeão, Íbson louco pelo seu primeiro título. Zinho rubro-negro até os cabelos, Íbson também. Ainda tinha o atacante Jean, que, se mais tarde magoaria muitos rubro-negros ao ir atuar no rival Vasco, neste momento estava em lua-de-mel com a torcida. Até quem não devia ser Flamengo estava se transformando, como por exemplo o paulista e lateral-esquerdo Roger Guerreiro. Roger não vinha bem no torneio e a torcida pegava no seu pé, porém naquele Fla 4 x 3 Flu, ele foi o autor dos dois gols da virada. Pronto! Bastou isso para ele cair nas graças da torcida e o Flamengo entrar em seu coração.
Apesar de toda a identificação que a equipe rubro-negra passava a ter com a torcida, e a garra mostrada pelos jogadores, não podemos dizer que o Flamengo era um time sem técnica. Muito pelo contrário, dizer isso seria uma heresia. O motivo? O camisa 10 da Gávea era o maestro Felipe. Procurando palavras para definir o que Felipe estava mostrando neste ano de 2004, as encontrei em dois mestres do futebol, um dos gramados e outro da literatura.
“Moro aqui, defronte do Grêmio, e quando vem o Flamengo, vou ver o meu último craque que é o Felipe. Aí, sim, vou ao jogo. Gosto, porque todo ex-jogador gosta de ver um jogo bem jogado. Em geral, quando decido ir, não consigo ficar até o 2º tempo. Vou embora logo no 1º. A não ser que o Felipe esteja jogando.” - Aírton Ferreira, zagueiro gremista nas décadas de 50 e 60 que conquistou incríveis 11 títulos gaúchos e é considerado por muitos o maior da história do Rio Grande do Sul.*
“Felipe é a prova de que Garrincha existiu. Muita gente fala que Mané não jogaria hoje e Felipe mostra o contrário.” - Armando Nogueira**
O maior show de Felipe na Taça Guanabara foi contra o seu ex-clube, o Vasco da Gama, pela semi-final do torneio. Com uma atuação monumental do camisa 10, o Flamengo venceu por 2 a 0 e conquistou a vaga na final. Ali, naquele momento, após o apito final daquele “Clássico dos Milhões”, Felipe se tornou um ídolo rubro-negro e ninguém mais lembrava de seu passado com a cruz de malta no peito. Vaga na final da Taça Guanabara garantida, o Flamengo enfrentaria o Fluminense, que havia eliminado o Americano na outra partida semi-final. O rubro-negro embalado. O tricolor sedento por vingança. Em pleno sábado de carnaval, mais um Fla-Flu entraria para a história do futebol brasileiro.
No dia 21 de fevereiro de 2004, podia-se falar que o mundo inteiro estava representado no Maracanã, tamanha a quantidade de turistas presentes para assisitir “O Maior Espetáculo da Terra”. O jogo de cores, o jogo de cantos, o jogo de fantasias na antiga geral, tudo era encantador. E o jogo nem havia começado. O Fluminense entrava com seu quarteto completo e, mesmo que com exceção de Roger, todos voltassem de contusão, o Flamengo sabia que tinha que se preocupar. Mas não pensem vocês que a defesa tricolor estava tranquila frente a frente com Felipe. Com tanta qualidade em campo e com tanta beleza nas arquibancadas, havia de ser um jogão. Após o apito inicial, a torcida do Fluzão não deve ter gostado nada do que viu. Quem não tivesse conhecimento do jogo da fase de grupos, acreditaria ser o Flamengo que quisesse revanche. De nada adiantaria a categoria superior do tricolor, se era possível sentir no ar a garra rubro-negra. Zinho ignorava seu posto de Penta-campeão Brasileiro e Campeão do Mundo, correndo como se fosse sua primeira decisão. Íbson ignorava ser o jogo sua primeira final e atuava como um veterano, tamanha propriedade que mostrava em campo. Aos 34 minutos o predomínio flamenguista deu resultado. Zinho cruzou uma bola tão perfeita para Fabiano Eller, que parecia ter uma régua amarrada em seu pé. Fabiano não desperdiça a chance e de cabeça abre o placar pro Mengão. Talvez por cansaço, talvez por relaxamento, já que o intervalo se aproximava, o Flamengo diminuiu o ritmo e quase pagou caro por isso. Aos 42 a bola passa na pequena área, pertinho de Edmundo, que por pouco não estufa as redes. Um minuto depois, após belo chute longo de Ramón, o arqueiro Júlio César faz segura defesa. A 2ª etapa prometia.
Diferente do que todos imaginavam após ver um esboço de reação tricolor, no fim do 1º tempo, o Flamengo voltou com tudo após o intervalo. Tenho certeza que a bronca do técnico Abelão, na equipe rubro-negra, foi daquelas. O Mengão, acreditem, voltou mais aceso que no início do jogo. Uma frase do excelente Juca Kfouri, sobre a atuação de Felipe, é inesquecível: “Cada vez que ele pegava na bola um pouco do melhor futebol de todos os tempos tomava conta do mais que cinquentenário Maracanã.”***. O Flamengo encantava, e o goleiro tricolor Kléber sofria. Era cabeçada que passava perto, chutaço de Jean que batia na trave, outra vez Jean obrigando-o a defender com os pés. Como penava o Kléber. Mas eis que o futebol decide aprontar uma das suas. O lateral-direito tricolor Léo Moura, uma das principais armas da equipe durante todo o torneio, dá lindo passe para o zagueirão Antônio Carlos empatar a partida. Este gol foi aos 20 minutos, e deu início à uma tempestade de emoções. O que se viu na sequência do jogo parecia um sonho. Muitos deviam ter se beliscado para ter a certeza de estarem acordados. Com apenas um minuto passado após o empate, o trio flamenguista Diogo, Rafael e Jean faz uma jogadaça pela direita, com o último completando de carrinho para o fundo do gol. Explode a torcida rubro-negra! Aos 25, o Fluminense contou com a ajuda do jovem zagueiro do Flamengo Henrique, que ao tentar cortar um cruzamento para área empurrou a bola contra a própria meta. Jogo empatado novamente. Explode a galera tricolor! A decisão estava tão elétrica, tão inacreditável, tão emocionante, que muitos devem ter se esquecido que havia um predestinado em campo. Um escolhido. E nas horas decisivas que esses jogadores aparecem. O relógio marcava 30 minutos quando Íbson pegou emprestado a régua que Zinho usara na 1ª etapa e deu um passe açucarado para o iluminado Roger. No meio de dois adversários, Roger correu. Honrou o sobrenome Guerreiro. Honrou sua estrela. Honrou seu apelido de “Roger Fla-Flu”. E com um magistral toquinho na bola, colocou o Flamengo novamente na frente. Definitivamente na frente. Os 15 minutos restantes se resumiram a assistir a festa da torcida. O que se viu no campo fora incrível. O que se via nas arquibancadas, não menos. Taça e poeira eram levantadas, com a mesma euforia. E eu fico pensando onde será queos turistas encontraram palavras para explicar o que viram, ao voltarem para suas terras?
Flamengo 3 x 2 Fluminense
21 de fevereiro de 2004
Maracanã – Público: 65495 torcedores
Gols: 1º tempo: Fabiano Eller (Fla) aos 34´; 2º tempo: Antônio Carlos (Flu) aos 20´, Jean (Fla) aos 21´, Henrique (Fla), contra, aos 25´ e Roger (Fla) aos 30´.
Flamengo: Júlio César; Rafael, Henrique, Fabiano Eller e Roger; Robson, Íbson (Anderson Luís), Zinho e Felipe; Jean (Rafael Gaúcho) e Diogo (Andrezinho)
Fluminense: Kléber; Léo Moura, Antônio Carlos, Rodolfo e Júnior César; Marcão, Marciel (Alessandro), Ramón (André Luiz) e Roger (Alan); Edmundo e Romário
*Aírton Pavilhão – O Zagueiro das Multidões – Celso Sant’ Anna
**Diário Lance! – 13 de abril de 2004
***Diário Lance! – 22 de fevereiro de 2004
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