Caro Tiago Leifert,
As palavras que se seguem são uma resposta à coluna de sua
autoria recém-publicada no site GQ (11/12/2015). Muito provavelmente você
jamais terá conhecimento do que escreverei nas próximas linhas, mas confesso
que guardar o que eu pensava a respeito dos seus argumentos estava me trazendo
sintomas fisiológicos desagradáveis.
Tantos foram os vespeiros em que você se meteu para expressar
seu medonho argumento de que o futebol é pura e simplesmente negócio – ou business,
se você preferir uma linguagem mais pomposa, e tenho certeza que vai – que passar
por todos eles com o cuidado necessário exigiria, no mínimo, uma tese de
doutorado. Prometo, porém, tentar ser breve sem ser muito superficial.
O primeiro ponto de fragilidade de seu argumento é baseá-lo
na crença de que os torcedores são apenas de dois tipos, que você chamou de “xiita”
e “modinha”. Será mesmo que, por exemplo, os não sei quantos milhões de
flamenguistas espalhados pelo Brasil são ou “xiitas” ou “modinhas” e só? Cadê o
torcedor que odeia os novos telões mas gasta aos montes colecionando camisas
oficiais de seu clube? Ou aquele que deixa de ir no aniversário da filha para
ir ao estádio mas faz questão de um banheiro limpo? Que solidez pode ter um
argumento que se baseia nos extremos e esquece a maioria?
Depois de ter começado mal, caro Leifert, as coisas se tornam
ainda piores com sua afirmação de que quem sustenta o clube é o que você chamou
de “modinha”. O que você esquece é que se hoje existem, por exemplo, os tais “modinhas”
indo à Arena Corinthians – você prefere falar Arena do que Itaquerão, certo? –,
isso se deve aos fiéis corintianos que se multiplicaram nos anos 50, 60 e 70,
quando o time não ganhava nada e quem estava “na moda” era o Santos de Pelé. Foram
os corintianos que sofreram 23 anos sem comemorar um título que sustentaram
simbolicamente a grandeza do clube para que, hoje, os que você chamou de “modinhas”
queiram gastar dinheiro para comprar uma camisa onde se lê “Bando de Loucos”.
Sem os fiéis não há os “modinhas”.
Para comprovar seu argumento de que são os “modinhas” que
sustentam os clubes, você nos diz que é só olhar o Barcelona para constatar que
só há turistas nos Camp Nou. Caro Leifert, não sei se você deveria ter mais
vergonha de fazer uma afirmação dessas ou de acreditar, como transparece em sua
coluna, que foram os smartphones e seus usuários que levaram a civilização aos
estádios. É inegável que desde Ronaldinho Gaúcho e principalmente por causa do
Messi o Barcelona tornou-se um clube admirado em todos os continentes. No
entanto, não precisa ser um cientista social para compreender o quanto o ato de
torcer para o Barcelona significa na construção da identidade catalã. Você diz
que o Camp Nou está sempre lotado com 100 mil turistas e eu te pergunto: será
que são mesmo turistas os que sempre gritam pela independência da Catalunha aos
17min14s de cada jogo, em referência ao ano de 1714, um marco na história do
movimento separatista? Não faz muito tempo o Barcelona foi multado por seus
torcedores terem vaiado o hino espanhol no Camp Nou. Seriam esses turistas?
Por fim, até porque já me alonguei bastante, gostaria de lhe
dizer que, diferente do que você pensa, ninguém precisa ser ensinado a torcer
pelo marketing do clube. Não existe modo certo ou errado de torcer, e a graça, caro
Leifert, é justamente essa. Aprendemos a torcer vivendo, e não lendo um manual,
muito menos um manual escrito por um profissional de marketing com os mesmos argumentos
que os que você possui.
Nos mesmos minutos em que meu time jogava a final de um
campeonato, eu fazia prova de vestibular para cursar Jornalismo e realizar meu
sonho de trabalhar com esportes. Poucos sabem o que é tentar fazer uma prova
com a cabeça no Maracanã. Os fogos pipocavam fora da sala. Seriam os torcedores
do meu time comemorando ou os rivais debochando? E não é que um espírito de
porco apareceu na porta da sala para avisar que os adversários tinham aberto o
placar? O mais cruel de tudo foi que enquanto todo mundo bradava ser impossível
conseguir comprar um ingresso para o Maracanã, um amigo meu havia sido sorteado
com três e me oferecera um de graça. A prova não me deixou ir.
Faltavam dez questões de umas 90 quando eu resolvi “chutar o
balde”, “chutar as questões” e correr para o bar mais próximo. Cheguei à frente
da televisão ainda meio sem norte e perguntando como estava o panorama. O
resultado parcial de empate não era favorável, mas o gol, que acabaria por ser o
do título, não tardou a sair. Quando vi a bola tocando na rede saí pulando e
movendo partes do corpo que eu nem sabia que se moviam. Acho que eu gritava
também, não lembro. Também não lembro se distribuí alguns abraços. Mas lembro
que depois de muito saltar, sentei no meio-fio e chorei pela primeira vez com o
meu clube. Aqueles segundos de pulos, gritos (?), abraços (?) e choro, caro
Leifert, não se ensinam. Eles não são “business”...
Caro Diano, não sei o que Tiago Leifert falou ou escreveu, mas te apoio em tudo que escreveste,
ResponderExcluirAbraços
O Texto do Tiago Leifert é violento, eu custei a acreditar.
ResponderExcluirO Seu texto é uma ótima resposta a aquele absurdo.abraço.
ResponderExcluirMuito bom, Diano. Muito bom!
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