Na segunda metade do ano de 1950, o futebol brasileiro estava triste. A perda de uma Copa do Mundo em pleno Maracanã foi um golpe muito duro nos torcedores de todo o país. Entretanto, como diz o velho ditado, “toda moeda tem dois lados”. Se em termos de futebol nos sentíamos os piores possíveis, os fracassados, os maiores derrotados do planeta, por outro lado, lá na Europa, nossa imagem como potência futebolística começava a se consolidar. Em 1938, na última Copa do Mundo pré-2ª Guerra Mundial, havíamos terminado na honrosa 3ª colocação e apresentado nosso futebol arte através dos pés de craques como Leônidas da Silva e Domingos da Guia, e, agora, no primeiro Mundial pós-2ª Guerra, nos sagrávamos vice-Campeões do Mundo humilhando a Espanha e a Suécia com goleadas astronômicas. E foi neste panorama de crescimento da imagem do futebol canarinho que o Atlético Mineiro foi convidado para realizar uma excursão pelo “Velho Continente”, se tornando o primeiro clube brazuca a viajar para a Europa depois da implantação do profissionalismo no futebol nacional.
Em 23 de outubro partia de Belo Horizonte com destino à Alemanha o Esquadrão Alvinegro que entraria não só para a história do Galo, mas também do futebol brasileiro. Disse “Esquadrão” pois a equipe atleticana era realmente sensacional. Só como um exemplo de força, dos onze Campeonatos Mineiros disputados entre 1946 e 1956, o Atlético conquistou nada menos do que nove canecos. E vale ressaltar que, diferente dos dias atuais, as equipes mineiras de menor porte, como o América e o Vila Nova, eram adversários duríssimos. Esta verdadeira Seleção Alvinegra começava, como todo grande time, por um grande goleiro. Servindo o Atlético desde 1935 o arqueiro Kafunga já havia escrito seu nome na história do clube antes mesmo dessa excursão pela Europa. Na conquista do Torneio Campeão dos Campeões de 1937, quando o Galo superou o Fluminense-RJ, a Portuguesa-SP e o Rio Branco-ES, Kafunga já era o responsável pela meta atleticana, responsabilidade esta que só iria largar em 1954, com quase 20 anos de clube. Vejamos a palavra do atacante Vavá (não o “Leão da Copa”, Bi-Campeão do Mundo com o Brasil em 58/62), parceiro de Kafunga no Atlético: “Eu joguei contra Barbosa, eu joguei contra Gilmar, eu joguei contra Castilho. Mas o Kafunga era excelente, ele tinha uma precisão em bola cruzada alta, saía na hora certa, saltava, pegava a bola com uma firmeza impressionante, uma colocação ótima”*. Além de excelente debaixo dos paus, Kafunga, com seu grande carisma e jeito brincalhão, também se tornou um grande líder fora das quatro-linhas. Na viagem pela Europa, a missão de proteger o gol do Galo ficou dividida entre Kafunga e Mão de Onça, outro grande goleiro, que possuía este apelido por contar com gigantescas mãos, sendo capaz, segundo os que o conheciam, de desamassar carros sem ferramentas.
Compondo a defesa, o Atlético não poderia mais contar com o espetacular Murilo, um dos maiores jogadores da história do clube, que havia se transferido para o Corinthians. Entretanto, a presença do sempre raçudo Afonso, que vestiu o manto alvinegro por mais de 10 anos e sempre deixando muito suor em campo, e o surgimento de Oswaldo, que se tornaria um dos pilares da equipe Penta Estadual entre 52 e 56, deixavam a defesa atleticana ainda muito forte. Formando a linha média desta saudosa equipe se revezavam jogadores com algum tempo de casa, como Juca e Moreno, e jovens recém-saídos dos juniores como Haroldo, que começava sua longa saga honrando a tradição do Galo dentro de campo e, mais tarde, fora dele, como médico do clube. Outro médio que bateria um bolão em campos europeus era o Barbatana, que fora emprestado pelo Metalusina-MG para a excursão. Vale lembrar que Barbatana se tornaria treinador do Atlético anos mais tarde, tendo sido o comandante da invicta equipe vice-Campeã Brasileira de 1977 que contava com João Leite, Toninho Cerezo, Reinaldo e Paulo Isidoro. Comparando esta linha média atleticana com um daqueles maravilhosos bolos confeitados, está na hora de falarmos sobre a cereja. Está na hora de falarmos de um dos maiores craques que o futebol brasileiro já viu: Zé do Monte. Poucos são os jogadores que defenderam com tamanho respeito e dedicação as cores de um clube. As entradas no gramado com um galo debaixo do braço e as seguidas declarações dizendo “meu futebol é só do Atlético”**, quando procurado por outros clubes, são apenas dois exemplos da ligação entre Zé do Monte e Atlético Mineiro. Dentro das quatro-linhas, seu futebol vistoso e contagiante garra, chegou a atuar contra o rival Cruzeiro com nove pontos no supercílio, estiveram a serviço do Galo durante 10 anos e nada menos do que 8 títulos estaduais. Devido a um problema grave no joelho, Zé do Monte encerrou sua brilhante carreira precocemente, aos 27 anos, porém o tempo que esteve em campo foi mais do que o suficiente para colocá-lo em um lugar de destaque na galeria de ídolos atleticanos.
E ofensivamente, com quem este “Esquadrão Alvinegro” contaria na Europa? Bom, assim como no gol, na defesa e na linha-média o Galo era farto em craques, no ataque não poderia ser diferente. Pelos lados do campo, o Atlético contava com dois nomes de altíssimo quilate: Lucas Miranda e Nívio, ambos presentes na lista dos dez maiores artilheiros do clube. O ponta-direita Lucas Miranda era daqueles jogadores que sempre estava no lugar certo na hora certa, tendo balançado as redes por diversas vezes nos acréscimos das partidas. Se o Galo estivesse perdendo ou empatando e o fim do jogo se aproximava, a esperança era sempre depositada em Lucas Miranda. E mais... além dos gols salvadores, Lucas marcou nada menos do que 19 tentos contra o Cruzeiro, sendo o segundo atleticano com mais gols marcados contra o maior rival, atrás apenas do lendário Guará. Pelo outro lado, na ponta-esquerda, Nívio apresentava todas as qualidades necessárias para um grande ponta. Velocidade, habilidade, drible e chute forte estavam no cardápio oferecido por Nívio aos rivais. Depois de deixar o Atlético em 1951, Nívio atuaria ao lado de Zizinho no Bangu, tendo marcado nada menos do que 140 gols pelo Alvirubro Carioca, marca que o coloca como terceiro maior artilheiro do clube. Atuações como a que teve na sapecada de 8 x 1 sobre a Portuguesa-SP, quando estabeleceu o recorde de gols marcados em uma única partida com a camisa do Bangu, com 5 tentos assinalados, e na vitória de 4 x 0 sobre o poderoso Bayern de Munique, em uma excursão à Europa quando marcou todos os gols da partida, fizeram de Nívio um enorme ídolo banguense. Completando este grande Atlético de 1950, o treinador uruguaio Ricardo Diez iniciava sua trajetória pelo clube mineiro que se tornaria inesquecível também pelo Tri Mineiro em 52/53/54. Neste início dos anos 50, Diez já era um treinador importante, principalmente no Rio Grande do Sul, onde através dos seus conceitos sobre preparação física ficou marcado no Internacional da década de 40, conhecido como “Rolo Compressor”, apesar da curta passagem pelo clube.
Depois de aproximadamente 30 horas de viagem, a delegação atleticana enfim chegou a Frankfurt, na Alemanha, e logo descobriram que seus adversários sempre contariam com um 12º jogador: o frio. Se fora de campo os craques brazucas se divertiam com bolas e bonecos de neve, na hora de treinar e de jogar o frio se tornava um baita adversário. O primeiro desafio do Atlético Mineiro em terreno europeu era a “Taça de Inverno”(Turnier Deutschen Winters), onde duelaria com as fortes equipes alemãs do Munique 1860, Hamburgo e Werder Bremen. Logo na estréia, jogando em Munique sob um frio de 4 graus negativos, o Galo conquistou sua primeira vitória da excursão ao bater o Munique 1860 por 4 x 3. O gol da vitória atleticana foi assinalado nos últimos momentos da partida pelo Vaguinho, um excelente atacante com passagem de 5 anos pelo Flamengo e que havia sido emprestado ao Galo pelo rival América-MG para esta viagem. Na segunda partida, o Atlético realizaria aquela que talvez tenha sido sua melhor atuação no “Velho Continente”. O adversário era o Hamburgo, que contava com Josef Posipal, um dos grandes zagueiros da Europa na época. Desde jovem Posipal já apresentava grande solidez defensiva, se mostrando uma verdadeira muralha. Uma história bastante curiosa envolve este grande zagueiro. Em 1950, o lendário treinador alemão Sepp Herberger convocou Posipal para aquele que seria a primeira partida da Seleção Alemã pós-2ª Guerra Mundial. Contudo, por ter nascido na Romênia e não ser considerado um alemão puro, Posipal não pôde atuar nesta partida. Entretanto, não demoraria muito tempo para Posipal se tornar um dos gigantes que já vestiram a camisa alemã, tendo feito parte, simplesmente, da Seleção que bateu a Hungria de Puskas e se tornou Campeã do Mundo em 1954. Mas nem mesmo a presença de Posipal foi capaz de impedir Nívio, Lucas Miranda e companhia de, em jornada inspiradíssima, golearem o Hamburgo em seus próprios domínios por 4 x 0. E esta goleada teve um sabor ainda melhor. Como havia um navio brasileiro atracado em Hamburgo, o Galo teve o apoio de alguns torcedores, que fizeram uma imensa festa ao fim da partida, com direito à invasão de campo e volta olímpica com a bandeira do Brasil.
Devido a alguns erros de planejamento cometidos pela delegação do Atlético e pelo empresário organizador da excursão, Eden Kaltenecker, o Galo teve que atuar no dia seguinte da vitória sobre o Hamburgo. E, para piorar, seria necessário viajar até Bremen para a realização da partida. Completamente esgotados os alvinegros não conseguiram segurar o Werder Bremen e perderam por 3 x 1. Contudo, mesmo com a derrota, o Atlético se sagrou Campeão da “Taça de Inverno”. Convenhamos, uma equipe que realizava a primeira excursão para a Europa da era do futebol profissional no nosso país conseguir conquistar um torneio de inverno na Alemanha, tendo que enfrentar poderosas equipes e um rigoroso frio, é um fato digno de muitos aplausos.
Uma semana de folga após a conquista da “Taça de Inverno”, o já devidamente descansado Atlético voltaria aos gramados para vencer sem dificuldades o Schalke 04 por 3 x 1. Sobre este duelo, uma história cômica veio a ocorrer do outro lado do Atlântico, aqui no Brasil. A notícia sobre mais um triunfo do Galo em terras européias não pôde ser dada por completo pela Rádio Continental do Rio de Janeiro. O motivo? Ninguém sabia como se pronunciava Gelsenkirchen, local onde ocorrera a vitória sobre o Schalke 04. No confronto seguinte, em Viena, o Alvinegro Mineiro não conseguiu segurar o poderoso Rapid Viena e teve sua última derrota na excursão. No início dos anos 50, a Áustria se colocava entre as potências do futebol europeu, fato que se comprovaria pouco tempo depois com a 3ª colocação da Seleção Austríaca na Copa do Mundo de 1954. Para dar uma melhor idéia da força do adversário do Galo, nada menos do que sete jogadores que fizeram parte da Áustria no Mundial estiveram em campo contra os atleticanos. Os destaques austríacos eram numerosos. Na retaguarda, aos 25 anos, Ernst Happel apresentava diversos atributos defensivos e adquiria a experiência que o faria se tornar, mais tarde, um treinador multi-campeão e considerado um dos pioneiros da idéia do “Futebol Total”, que teve na Seleção Holandesa seu principal expoente. Dentre as principais conquistas de Happel como treinador estão duas Copa dos Campeões da Europa (Feyenoord em 1970 e Hamburgo em 1983) e um vice-Mundial com a Seleção da Holanda em 1978. Outro destaque do Rapid Viena e também da Seleção Austríaca era o meia Gerhard Hanappi, que possui no currículo mais de 300 partidas pelo clube, tendo conquistado sete títulos nacionais, e 93 partidas pela Seleção, incluindo todas as oito disputadas nos Mundiais de 54 e 58. No entanto, era na linha de ataque que os austríacos do Rapid apresentavam seu ponto forte. Os irmãos Alfred e Robert Körner faziam excelente companhia à Robert Dienst e Erich Probst, respectivamente o maior artilheiro do Rapid Viena na história do Campeonato Austríaco com 307 gols e o vice-artilheiro da Copa do Mundo de 1954 com 6 gols. Sem dúvida alguma o Galo Mineiro foi derrotado por um timaço.
Na sequência da excursão vieram duas grandes vitórias sobre o alemão Sarrebruck (2 x 0) e sobre o forte Anderlech, em Bruxelas. Certamente o mais poderoso clube belga da época, tendo conquistado nada menos do que sete títulos do Campeonato Nacional entre 1946 e 1956, o Anderlech foi um duro adversário para o Galo Mineiro. Dos citados sete canecos belgas conquistados pelo clube, um jogador esteve presente em todos os triunfos e merece grande destaque: Joseph Mermans. Apelidado de “The Bomber”, Mermans é o segundo maior artilheiro da história do Campeonato Belga e o quarto goleador de sua Seleção em todos os tempos. Contra o Atlético, Mermans conseguiu superar o goleirão Kafunga e balançar as redes, no entanto, com uma atuação magistral de Vaguinho, autor de dois gols, o Alvinegro saiu de campo com mais uma bela vitória por 2 x 1. De volta à Alemanha, o Galo empatou em 3 x 3 com o Eintreicht Brauschweig para depois viajar até Luxembugo e empatar, pelo mesmo placar, com a Seleção Anfitriã. Por fim, naquela que viria a ser a última partida da excursão, o Atlético enfrentou o Stade Français no famoso Parc de Princes, em Paris. Neste duelo, os craques atleticanos enfrentaram condições climáticas inimagináveis para nós, brasileiros. Em um campo branco, tamanha a quantidade de neve, um frio de rachar a pele e, para piorar, chovendo, o Galo provou que esquadrão que se preze supera todas as adversidades e venceu o confronto por 2 x 1. Duas imagens desta partida entraram para os anais do futebol brasileiro. Uma delas foi o goleiro Kafunga passar a maior parte do jogo com as mãos dentro de uma bolsa de água quente, para não congelar seus dedos. A outra, que poderia ter se tornado uma tragédia, foi uma crise de hipotermia sofrida pelo meia Barbatana diante de tão baixa temperatura.
Em grupos, os atleticanos deixaram aos poucos a Europa e retornaram ao Brasil para receber as homenagens pela mais que vitoriosa excursão. Da imprensa mineira, veio o reconhecimento que entraria para a história: o título de “Campeões do Gelo”. Da torcida, o craque Vavá nos conta: “A recepção em Belo Horizonte foi indescritível. Da rodoviária atual até a prefeitura, lotado de gente. A população deveria ser de 300 mil, 400 mil, no máximo. Praticamente a população toda estava lá. Ocupou aquele espaço todo. O Atlético é uma coisa fantástica.”*.
Equipe-base: Kafunga; Afonso e Osvaldo; Juca, Zé do Monte e Barbatana; Lucas Miranda, Lauro, Vaguinho, Alvinho e Nívio.
Também atuaram: Mão de Onça, Márcio, Moreno, Haroldo, Vicente Peres, Murilinho, Zezinho e Vavá.
* – GALO - Uma Paixão Centenária. Editora Gutenberg
** – Raça e Amor. Autor: Ricardo Galuppo. Editora DBA.
Em 23 de outubro partia de Belo Horizonte com destino à Alemanha o Esquadrão Alvinegro que entraria não só para a história do Galo, mas também do futebol brasileiro. Disse “Esquadrão” pois a equipe atleticana era realmente sensacional. Só como um exemplo de força, dos onze Campeonatos Mineiros disputados entre 1946 e 1956, o Atlético conquistou nada menos do que nove canecos. E vale ressaltar que, diferente dos dias atuais, as equipes mineiras de menor porte, como o América e o Vila Nova, eram adversários duríssimos. Esta verdadeira Seleção Alvinegra começava, como todo grande time, por um grande goleiro. Servindo o Atlético desde 1935 o arqueiro Kafunga já havia escrito seu nome na história do clube antes mesmo dessa excursão pela Europa. Na conquista do Torneio Campeão dos Campeões de 1937, quando o Galo superou o Fluminense-RJ, a Portuguesa-SP e o Rio Branco-ES, Kafunga já era o responsável pela meta atleticana, responsabilidade esta que só iria largar em 1954, com quase 20 anos de clube. Vejamos a palavra do atacante Vavá (não o “Leão da Copa”, Bi-Campeão do Mundo com o Brasil em 58/62), parceiro de Kafunga no Atlético: “Eu joguei contra Barbosa, eu joguei contra Gilmar, eu joguei contra Castilho. Mas o Kafunga era excelente, ele tinha uma precisão em bola cruzada alta, saía na hora certa, saltava, pegava a bola com uma firmeza impressionante, uma colocação ótima”*. Além de excelente debaixo dos paus, Kafunga, com seu grande carisma e jeito brincalhão, também se tornou um grande líder fora das quatro-linhas. Na viagem pela Europa, a missão de proteger o gol do Galo ficou dividida entre Kafunga e Mão de Onça, outro grande goleiro, que possuía este apelido por contar com gigantescas mãos, sendo capaz, segundo os que o conheciam, de desamassar carros sem ferramentas.
Compondo a defesa, o Atlético não poderia mais contar com o espetacular Murilo, um dos maiores jogadores da história do clube, que havia se transferido para o Corinthians. Entretanto, a presença do sempre raçudo Afonso, que vestiu o manto alvinegro por mais de 10 anos e sempre deixando muito suor em campo, e o surgimento de Oswaldo, que se tornaria um dos pilares da equipe Penta Estadual entre 52 e 56, deixavam a defesa atleticana ainda muito forte. Formando a linha média desta saudosa equipe se revezavam jogadores com algum tempo de casa, como Juca e Moreno, e jovens recém-saídos dos juniores como Haroldo, que começava sua longa saga honrando a tradição do Galo dentro de campo e, mais tarde, fora dele, como médico do clube. Outro médio que bateria um bolão em campos europeus era o Barbatana, que fora emprestado pelo Metalusina-MG para a excursão. Vale lembrar que Barbatana se tornaria treinador do Atlético anos mais tarde, tendo sido o comandante da invicta equipe vice-Campeã Brasileira de 1977 que contava com João Leite, Toninho Cerezo, Reinaldo e Paulo Isidoro. Comparando esta linha média atleticana com um daqueles maravilhosos bolos confeitados, está na hora de falarmos sobre a cereja. Está na hora de falarmos de um dos maiores craques que o futebol brasileiro já viu: Zé do Monte. Poucos são os jogadores que defenderam com tamanho respeito e dedicação as cores de um clube. As entradas no gramado com um galo debaixo do braço e as seguidas declarações dizendo “meu futebol é só do Atlético”**, quando procurado por outros clubes, são apenas dois exemplos da ligação entre Zé do Monte e Atlético Mineiro. Dentro das quatro-linhas, seu futebol vistoso e contagiante garra, chegou a atuar contra o rival Cruzeiro com nove pontos no supercílio, estiveram a serviço do Galo durante 10 anos e nada menos do que 8 títulos estaduais. Devido a um problema grave no joelho, Zé do Monte encerrou sua brilhante carreira precocemente, aos 27 anos, porém o tempo que esteve em campo foi mais do que o suficiente para colocá-lo em um lugar de destaque na galeria de ídolos atleticanos.
E ofensivamente, com quem este “Esquadrão Alvinegro” contaria na Europa? Bom, assim como no gol, na defesa e na linha-média o Galo era farto em craques, no ataque não poderia ser diferente. Pelos lados do campo, o Atlético contava com dois nomes de altíssimo quilate: Lucas Miranda e Nívio, ambos presentes na lista dos dez maiores artilheiros do clube. O ponta-direita Lucas Miranda era daqueles jogadores que sempre estava no lugar certo na hora certa, tendo balançado as redes por diversas vezes nos acréscimos das partidas. Se o Galo estivesse perdendo ou empatando e o fim do jogo se aproximava, a esperança era sempre depositada em Lucas Miranda. E mais... além dos gols salvadores, Lucas marcou nada menos do que 19 tentos contra o Cruzeiro, sendo o segundo atleticano com mais gols marcados contra o maior rival, atrás apenas do lendário Guará. Pelo outro lado, na ponta-esquerda, Nívio apresentava todas as qualidades necessárias para um grande ponta. Velocidade, habilidade, drible e chute forte estavam no cardápio oferecido por Nívio aos rivais. Depois de deixar o Atlético em 1951, Nívio atuaria ao lado de Zizinho no Bangu, tendo marcado nada menos do que 140 gols pelo Alvirubro Carioca, marca que o coloca como terceiro maior artilheiro do clube. Atuações como a que teve na sapecada de 8 x 1 sobre a Portuguesa-SP, quando estabeleceu o recorde de gols marcados em uma única partida com a camisa do Bangu, com 5 tentos assinalados, e na vitória de 4 x 0 sobre o poderoso Bayern de Munique, em uma excursão à Europa quando marcou todos os gols da partida, fizeram de Nívio um enorme ídolo banguense. Completando este grande Atlético de 1950, o treinador uruguaio Ricardo Diez iniciava sua trajetória pelo clube mineiro que se tornaria inesquecível também pelo Tri Mineiro em 52/53/54. Neste início dos anos 50, Diez já era um treinador importante, principalmente no Rio Grande do Sul, onde através dos seus conceitos sobre preparação física ficou marcado no Internacional da década de 40, conhecido como “Rolo Compressor”, apesar da curta passagem pelo clube.
Depois de aproximadamente 30 horas de viagem, a delegação atleticana enfim chegou a Frankfurt, na Alemanha, e logo descobriram que seus adversários sempre contariam com um 12º jogador: o frio. Se fora de campo os craques brazucas se divertiam com bolas e bonecos de neve, na hora de treinar e de jogar o frio se tornava um baita adversário. O primeiro desafio do Atlético Mineiro em terreno europeu era a “Taça de Inverno”(Turnier Deutschen Winters), onde duelaria com as fortes equipes alemãs do Munique 1860, Hamburgo e Werder Bremen. Logo na estréia, jogando em Munique sob um frio de 4 graus negativos, o Galo conquistou sua primeira vitória da excursão ao bater o Munique 1860 por 4 x 3. O gol da vitória atleticana foi assinalado nos últimos momentos da partida pelo Vaguinho, um excelente atacante com passagem de 5 anos pelo Flamengo e que havia sido emprestado ao Galo pelo rival América-MG para esta viagem. Na segunda partida, o Atlético realizaria aquela que talvez tenha sido sua melhor atuação no “Velho Continente”. O adversário era o Hamburgo, que contava com Josef Posipal, um dos grandes zagueiros da Europa na época. Desde jovem Posipal já apresentava grande solidez defensiva, se mostrando uma verdadeira muralha. Uma história bastante curiosa envolve este grande zagueiro. Em 1950, o lendário treinador alemão Sepp Herberger convocou Posipal para aquele que seria a primeira partida da Seleção Alemã pós-2ª Guerra Mundial. Contudo, por ter nascido na Romênia e não ser considerado um alemão puro, Posipal não pôde atuar nesta partida. Entretanto, não demoraria muito tempo para Posipal se tornar um dos gigantes que já vestiram a camisa alemã, tendo feito parte, simplesmente, da Seleção que bateu a Hungria de Puskas e se tornou Campeã do Mundo em 1954. Mas nem mesmo a presença de Posipal foi capaz de impedir Nívio, Lucas Miranda e companhia de, em jornada inspiradíssima, golearem o Hamburgo em seus próprios domínios por 4 x 0. E esta goleada teve um sabor ainda melhor. Como havia um navio brasileiro atracado em Hamburgo, o Galo teve o apoio de alguns torcedores, que fizeram uma imensa festa ao fim da partida, com direito à invasão de campo e volta olímpica com a bandeira do Brasil.
Devido a alguns erros de planejamento cometidos pela delegação do Atlético e pelo empresário organizador da excursão, Eden Kaltenecker, o Galo teve que atuar no dia seguinte da vitória sobre o Hamburgo. E, para piorar, seria necessário viajar até Bremen para a realização da partida. Completamente esgotados os alvinegros não conseguiram segurar o Werder Bremen e perderam por 3 x 1. Contudo, mesmo com a derrota, o Atlético se sagrou Campeão da “Taça de Inverno”. Convenhamos, uma equipe que realizava a primeira excursão para a Europa da era do futebol profissional no nosso país conseguir conquistar um torneio de inverno na Alemanha, tendo que enfrentar poderosas equipes e um rigoroso frio, é um fato digno de muitos aplausos.
Uma semana de folga após a conquista da “Taça de Inverno”, o já devidamente descansado Atlético voltaria aos gramados para vencer sem dificuldades o Schalke 04 por 3 x 1. Sobre este duelo, uma história cômica veio a ocorrer do outro lado do Atlântico, aqui no Brasil. A notícia sobre mais um triunfo do Galo em terras européias não pôde ser dada por completo pela Rádio Continental do Rio de Janeiro. O motivo? Ninguém sabia como se pronunciava Gelsenkirchen, local onde ocorrera a vitória sobre o Schalke 04. No confronto seguinte, em Viena, o Alvinegro Mineiro não conseguiu segurar o poderoso Rapid Viena e teve sua última derrota na excursão. No início dos anos 50, a Áustria se colocava entre as potências do futebol europeu, fato que se comprovaria pouco tempo depois com a 3ª colocação da Seleção Austríaca na Copa do Mundo de 1954. Para dar uma melhor idéia da força do adversário do Galo, nada menos do que sete jogadores que fizeram parte da Áustria no Mundial estiveram em campo contra os atleticanos. Os destaques austríacos eram numerosos. Na retaguarda, aos 25 anos, Ernst Happel apresentava diversos atributos defensivos e adquiria a experiência que o faria se tornar, mais tarde, um treinador multi-campeão e considerado um dos pioneiros da idéia do “Futebol Total”, que teve na Seleção Holandesa seu principal expoente. Dentre as principais conquistas de Happel como treinador estão duas Copa dos Campeões da Europa (Feyenoord em 1970 e Hamburgo em 1983) e um vice-Mundial com a Seleção da Holanda em 1978. Outro destaque do Rapid Viena e também da Seleção Austríaca era o meia Gerhard Hanappi, que possui no currículo mais de 300 partidas pelo clube, tendo conquistado sete títulos nacionais, e 93 partidas pela Seleção, incluindo todas as oito disputadas nos Mundiais de 54 e 58. No entanto, era na linha de ataque que os austríacos do Rapid apresentavam seu ponto forte. Os irmãos Alfred e Robert Körner faziam excelente companhia à Robert Dienst e Erich Probst, respectivamente o maior artilheiro do Rapid Viena na história do Campeonato Austríaco com 307 gols e o vice-artilheiro da Copa do Mundo de 1954 com 6 gols. Sem dúvida alguma o Galo Mineiro foi derrotado por um timaço.
Na sequência da excursão vieram duas grandes vitórias sobre o alemão Sarrebruck (2 x 0) e sobre o forte Anderlech, em Bruxelas. Certamente o mais poderoso clube belga da época, tendo conquistado nada menos do que sete títulos do Campeonato Nacional entre 1946 e 1956, o Anderlech foi um duro adversário para o Galo Mineiro. Dos citados sete canecos belgas conquistados pelo clube, um jogador esteve presente em todos os triunfos e merece grande destaque: Joseph Mermans. Apelidado de “The Bomber”, Mermans é o segundo maior artilheiro da história do Campeonato Belga e o quarto goleador de sua Seleção em todos os tempos. Contra o Atlético, Mermans conseguiu superar o goleirão Kafunga e balançar as redes, no entanto, com uma atuação magistral de Vaguinho, autor de dois gols, o Alvinegro saiu de campo com mais uma bela vitória por 2 x 1. De volta à Alemanha, o Galo empatou em 3 x 3 com o Eintreicht Brauschweig para depois viajar até Luxembugo e empatar, pelo mesmo placar, com a Seleção Anfitriã. Por fim, naquela que viria a ser a última partida da excursão, o Atlético enfrentou o Stade Français no famoso Parc de Princes, em Paris. Neste duelo, os craques atleticanos enfrentaram condições climáticas inimagináveis para nós, brasileiros. Em um campo branco, tamanha a quantidade de neve, um frio de rachar a pele e, para piorar, chovendo, o Galo provou que esquadrão que se preze supera todas as adversidades e venceu o confronto por 2 x 1. Duas imagens desta partida entraram para os anais do futebol brasileiro. Uma delas foi o goleiro Kafunga passar a maior parte do jogo com as mãos dentro de uma bolsa de água quente, para não congelar seus dedos. A outra, que poderia ter se tornado uma tragédia, foi uma crise de hipotermia sofrida pelo meia Barbatana diante de tão baixa temperatura.
Em grupos, os atleticanos deixaram aos poucos a Europa e retornaram ao Brasil para receber as homenagens pela mais que vitoriosa excursão. Da imprensa mineira, veio o reconhecimento que entraria para a história: o título de “Campeões do Gelo”. Da torcida, o craque Vavá nos conta: “A recepção em Belo Horizonte foi indescritível. Da rodoviária atual até a prefeitura, lotado de gente. A população deveria ser de 300 mil, 400 mil, no máximo. Praticamente a população toda estava lá. Ocupou aquele espaço todo. O Atlético é uma coisa fantástica.”*.
Equipe-base: Kafunga; Afonso e Osvaldo; Juca, Zé do Monte e Barbatana; Lucas Miranda, Lauro, Vaguinho, Alvinho e Nívio.
Também atuaram: Mão de Onça, Márcio, Moreno, Haroldo, Vicente Peres, Murilinho, Zezinho e Vavá.
* – GALO - Uma Paixão Centenária. Editora Gutenberg
** – Raça e Amor. Autor: Ricardo Galuppo. Editora DBA.
IRADO!
ResponderExcluirxD
ResponderExcluirSensacional, o Atlético Mineiro sempre foi um dos clubes mais tradicionais do país e tem essa historia muito interessante sendo o primeiro clube brasileiro a ser campeão fora do continente. Vaii Corintiiiaaa!!
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