A crônica abaixo foi escrita por ninguém menos do que Coelho
Neto, quando da excursão do Paulistano para a Europa, a primeira realizada por
um clube brasileiro ao “Velho Continente”. A partida em questão foi a primeira
do Paulistano em gramados europeus, uma histórica vitória de virada.
Divirtam-se com tão mágicas palavras.
O Club Athlético Paulistano entrou com o pé direito em Paris.
No princípio do jogo, com o pé no lodo, como se achou, meteu os pés pelas mãos
não fazendo mais do que cair, não só no chão enlameado, como no ridículo.
A assistência, diante de tantos e tão seguidos trambolhões,
rompeu em assuada vendo que os nossos rapazes, mais do que a bola de couro,
andavam no campo aos boléus. De repente, porém, a um brado enérgico do capitão,
que via as coisas em mau pé, puseram-se todos os do grupo firmes, tomando pé e
começou desde logo a investida.
Ponta pé na bola, era gol na certa e, do pé para a mão, os já
vaiados com o “vae vitis” passaram a ser aplaudidos e aclamados como senhores
da situação. E não houve mais por-lhes o pé adiante.
Tão ágeis se mostravam os jogadores nos passes e arremessos
que, aos franceses maravilhados, parecia que os pés que por ali andavam não
eram de homens, mas de vento, principalmente os de Friedenreich que valiam por
dois ciclones.
E a França, por mais que se esforçasse, fazendo finca-pé para
não ser levada de vencida, não teve senão render-se, ficando aos pés do Brasil
que, desta vez provou, e perante juízes íntegros de várias nacionalidades,
constituindo um Conselho Superior de Nações ou Liga, como agora se diz em
estilo jarreteiro, que o Brasil sabe pelo menos onde põe o pé.
Aquilo mesmo das escorregadelas e trambolhões iniciais tenho,
para mim, que foi um ardil ou truque dos rapazes, um meio astuto de esconder o
jogo no começo para dar maior brilho à vitória final.
Assim entraram fazendo corpo mole, pisando em pés de lã para
às súbitas, darem aquela formidável rasteira pondo em pantana o famoso
selecionado com o escore de 7 x 2.
O que muitas das tais embaixadas diplomáticas, que nos custam
os olhos da cara, não conseguiram fazer com a cabeça, com as mãos e até com a
língua, araviando discursos simpáticos, realizaram em hora meio os rapazes, e
brilhantemente, com os pés.
O Brasil tem hoje um pé na Cidade Luz, é o pé do Paulistano,
e por esse pé fica o mundo conhecendo o valor do colosso sul americano como,
segundo o adágio, pelo dedo se conhece o gigante.
Ora, sendo o pé do corpo, pode o Brasil dizer ufano que está com
os alicerces de sua glória firmados no poleiro de Chantecler, podendo doravante
cantar de galo ele que, até bem pouco, nem como pinto piava.
Dirão, agora, as más línguas – e elas são tantas e
afiadíssimas, prontas sempre a nos cortarem a pele, que esse jogo foi o pé de
que se serviu o Brasil para tornar-se mundialmente conhecido.
Mas não foi ele o único que entrou de pés nas terras
europeias.
Os uruguaios impuseram-se nas Olimpíadas pelos pés e os
argentinos vão também pisando louros no velho Continente e, onde quer que
apareçam sul-americanos, não há quem resista de pé aos chutes que os tornou
famosos.
Está a questão neste pé, felizmente esportivo e não de
guerra, e os franceses sentidos das derrotas que lhes têm infligido nos seus
próprios campos os bárbaros cá desta banda, estudam meios de descalçar a bota
que lhes aperta o calo de amor próprio, calo que deve doer como mil diabos.
Pode ser que consigam alguma coisa, mas os nossos, que não
põem pé em ramo verde, estão tratando de melhorar o time, substituindo nele
certos jogadores que reputam fracos. É o que se chama um remonte.
Eu, capitão do time, não consentiria na mudança deixando as
coisas no mesmo pé, porque esse, enfim, já conhece o terreno em que vai pisar,
daí... Quem anda a pé e que sabe onde lhe aperta o sapato.
A França não contava com o resultado do jogo e quando os
brasileiros tiraram o pé do lodo marcando sete gols contra dois, a surpresa foi
grande.
Conhecesse ela o refrão dos nossos maiores que diz: Debaixo
dos pés se levantam desastres, e certo não cantaria vitória antes do tempo,
guardando o riso e a vaia para depois da fritura dos ovos.
Mas o que passou, passou. A verdade é que conseguimos por os
pés em Paris... tratemos agora de entrar com o resto do corpo e de cabeça.
Crônica retirada do livro “Os Reis do Futebol”
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