“Venci e agora minha barba e meus cabelos são um símbolo de liberdade”, Afonsinho.
(O Estado de São Paulo, 16 de fevereiro de 1972)
Vive-se um tempo onde craques e pernas-de-pau se importam mais com a aparência do que o hilário personagem Zé Bonitinho. Dentre brincos, munhequeiras, cordões e vestimentas, são os cabelos modernos que mais chamam a atenção. Tem moicano, de trancinhas coloridas ou não, rastafári, com desenhos, com nomes, com escudo do clube, à la Cascão e até aqueles impossíveis de explicar com poucas palavras. Mas houve uma época onde uma simples barba e o cabelo comprido se transformaram em símbolos de liberdade, de vitória contra um sistema que se propunha a controlar todos os passos dos jogadores, dentro e fora das quatro linhas.
A partir da segunda metade da década de 60, mais pontualmente após a Seleção Brasileira ter sido eliminada na 1ª fase da Copa do Mundo de 1966, teve início uma revolução no futebol verde-amarelo. Em síntese, força e resistência físicas, organização tática, ocupação de espaços, jogador-peça, time-máquina, objetividade e coletividade se tornaram palavras-chave no vocabulário do nosso jogo. Muitos possuem a ideia de que a Seleção Tricampeã do Mundo em 1970 era pura arte, mas basta contar que um relatório da Organização Mundial de Saúde considerou a equipe brasileira a mais bem preparada fisicamente de todo o torneio e que o zagueiro Brito foi eleito o atleta de melhor preparo físico da competição para vermos que os brasileiros tinham algo mais além do futebol genial.
Um pouco mais de aprofundamento e a lembrança de que o país vivia uma ditadura militar e que não eram raros integrantes do exército nas instituições do futebol – vide o Capitão Cláudio Coutinho, preparador físico da Seleção de 70 – torna mais alcançável o comportamento dos jogadores como soldados e dos times como exércitos, com regras e organização. Mas esta militarização não se restringiu ao jogo em si. Os dirigentes e treinadores dos clubes nacionais exigiam comportamento impecável dos seus comandados fora dos gramados. A disciplina militar e a disciplina esportiva se tornavam, então, sinônimos.
Foi neste contexto que um nome se ergueu contra tamanho controle: Afonsinho. Contratado pelo Botafogo junto ao XV de Jaú, Afonsinho foi Bicampeão Carioca em 1967 e 1968 ao lado de craques como Gérson, Jairzinho, Roberto Miranda e Paulo Cezar Caju. Mas não era titular absoluto, e isto o chateava. Bastante. A ponto de se desentender com o treinador Zagallo em um torneio no México e acabar emprestado ao Olaria. Pelo Alvianil da Bariri, em excursão ao Oriente Médio e Extremo Oriente, um novo desentendimento, desta vez com um diretor do clube, acabou com o desligamento de Afonsinho da delegação. Ao invés de retornar direto para o Brasil, o craque passou um período na França, longe do futebol, e vivenciou de perto todo o momento de contestação social, cultural e política que o país vivia.
De volta ao Brasil e ao Botafogo, Afonsinho ostentava uma barba nascente e cabelos que começavam a se alongar. O treinador, Zagallo, e o diretor Xisto Toniato não gostaram da nova aparência do habilidoso meia, que não aceitava a influência dos disciplinadores em sua vida. Sem meias palavras, a situação se tornou a seguinte: ou Afonsinho raspava a barba e cortava o cabelo ou não jogaria no Botafogo. E como na época vigorava a Lei do Passe, ou seja, o jogador tinha seu passe preso ao clube, que poderia vendê-lo, emprestá-lo ou “prendê-lo” a seu bem querer, não seria exagero dizer que a carreira de Afonsinho esteve prestes a terminar.
Porém, o jogador foi à luta pelos seus direitos e, após verdadeiras batalhas jurídicas, conquistou o Passe Livre. Virou bom exemplo para os que não aceitavam o controle dos clubes sobre suas vidas e péssimo exemplo para os que ganhavam dinheiro e poder com o sistema de dominação sobre os jogadores. Entrou para a história do futebol brasileiro como um ícone de rebeldia. E de liberdade.
Referências
Afonsinho e Edmundo – A rebeldia no futebol brasileiro. Autor: José Paulo Florenzano. Editora Musa.
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