Olá, amigos do
FUTEBOLA!
O “Gênios das Palavras”
de hoje é uma homenagem ao centenário de Vinicius de Moraes, áureo símbolo da
música e poesia brasileiras e que brindou o futebol com toda a sua inspiração e
criatividade. A seguir, deliciem-se, amigos, com a crônica “Canto de Amor e de Angústia
à Seleção de Ouro do Brasil”, um texto assim mesmo, corrido, sem pontuações,
sem parágrafos, sobre a campanha brasileira na Copa do Mundo de 1962, no Chile.
Minha
seleçãozinha de ouro da Copa do Mundo de 1962 eu vos suplico que não jogueis
mais futebol internacional não porque o meu pobre coração não agüenta tanto
sofrimento eu juro que prefiro ver vocês disputando só aqui dentro do gramado
nacional porque aqui a gente já sabe como é e embora eu torça pelo Botafogo
ninguém vai morrer mas não é mesmo a não ser talvez o meu bom Ciro Monteiro
quando o Flamengo entra bem porque nós somos todos irmãos e briga entre irmãos
se resolve em casa mas lá fora tudo é diferente eu quase tive um enfarte eu
quase tive uma embolia tinha uma coisa que bolia dentro do meu cérebro eu acho
que era o Puskas chutando minha massa cinzenta de tanta raiva filho de uma boa
senhora vocês deviam é ter-lhe dado um pontapé no cóccix vá ser oriundi ele
sabe onde mas você Amarildo garoto lindo do meu Botafogo você representou o Rei
à altura coitado do meu Pelé com aquela distensão na virilha se estorcendo em
dores para maior glória do futebol brasileiro ele é que devia ser primeiro-ministro
do nosso Brasil trigueiro sabe Pelé eu nunca chamei ninguém de gênio porque
acho besteira mas você eu chamo mesmo no duro você e o meu Garrincha que eu
louvo a santa natureza lhe ter dado aquelas pernas tortas com que ele botou a
Espanha entre parêntesis garoto bom passou o primeiro passou o segundo o
terceiro o quarto chutou GOOOOOOOOOL DOOO BRAAAAASIL que beleza maior beleza
não tem nem pode ter toda raça vibrando com uma dispnéia coletiva ah que
vasoconstrição mais linda o sangue entrando verde pelo ventrículo direito e
saindo amarelo pelo ventrículo esquerdo e se fundindo no corpo amoroso de
pobres e ricos doentes de paixão pela pátria e até a revolução social em marcha
pára maravilhada para ver "seu" Mané balançar o barbante e aí ela
prossegue seu caminho inflexível contente da vida de estar marchando nessa
terra em que são todos irmãos até mesmo os que amanhã podem estar regando com o
seu generoso sangue este solo nativo onde seremos enterrados enrolados
moralmente na bandeira brasileira ao som de "Cidade maravilhosa" mas
como eu ia dizendo não me façam mais aquilo do primeiro tempo com a Espanha
porque senão vai ter um poeta a menos no mundo eu sei que poeta não resolve não
dribla não encaçapa a não ser o Paulinho Mendes Campos a gente fica só mesmo é
driblando a angústia o medo e amor a morte poxa eu estou agora meio doente
acordo em sobressaltos eu acho que nem vou poder ouvir o jogo final senão eu
faço feito aquele cara que estourou a cabeça contra um poste no fim do primeiro
tempo com a Espanha porque é demais tanta ansiedade eu já não sou criança as
coronárias não agüentam brasileiro é mesmo sentimental a gente chora porque a
vida dói muito em nós conforme disse o Carlinhos Oliveira aqui não tem
Marienbad não é tudo gleba feita do barro natal e lágrimas do amor até grã-fino
sofre e é capaz de não ir ao Jirau para ver Didi mestre sereno da arte do
balipédio Einstein da folha-seca ou então os professores Nilton e Djalma Santos
que precisam ser canonizados porque nunca pensam em si mesmos só em Gilmar pobrezinho
mais sozinho do que Cristo no Horto no meio daquele retângulo abstrato no
vórtice do qual se esconde o hímen da pátria-menina que todos nós havemos de
defender até a última gota do nosso sangue dá-lhe San Thiago porque olhe que eu
sou até um cara que não é dessas coisas mas juro que estou ficando com uma
xenofobia de lascar e só de me lembrar do Puskas vou até tomar um
tranqüilizador senão eu dou uma bomba aqui nesta máquina de escrever que vai
ser fogo e aí morro porque eu não agüento mais tanta agonia por favor ganhem
logo e voltem para casa com a Taça erguida bem alto para a transubstanciação do
nosso e do vosso júbilo o Rio de Janeiro a vossos pés e muito papel picado
caindo das sacadas da avenida Rio Branco e da cabeça dos políticos é só o que eu
lhes peço voltem porque senão a revolução em marcha não caminha ela fica também
encantada com a vossa divina mestria e por favor poupem o coração deste e de 70
milhões de poetas cuja vida pulsa em vossos artelhos enquanto vos dirigis para
a vitória final inelutável com a ajuda de Nossa Senhora da Guia nosso pai Xangô
e "seu" Mané Garrincha. Olé!
Vinicius de
Moraes
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