quinta-feira, 12 de março de 2009

Grandes Clássicos - Botafogo x Vasco 1948

Grandes Clássicos - Botafogo x Vasco 1948

Olá amigos do FUTEBOLA!

Nesta quinta-feira, uma vez mais, Vasco e Botafogo medirão forças em campo. Juro que não entendo o motivo do jogo não ser no domingo, mas isso é assunto para outra hora. Faz algumas décadas que o maior símbolo do futebol carioca é o Maracanã, porém antes do “Maior do Mundo” ser erguido muita história foi escrita no livro do Campeonato Carioca. Hoje vou contar para vocês um dos maiores jogos da década de 40. Divirtam-se.

O Campeonato Carioca de 1948 começava da maneira mais triste para o Botafogo. Chegava ao clube o fim de uma era, a era Heleno de Freitas. Heleno era um personagem diferente que encantava dentro e fora de campo, numa época em que o preconceito com o jogador de futebol ainda era muito grande. Era único, perfeccionista, mimado, explosivo, galã e, principalmente, gênio da bola. Na mesma proporção que ele dava trabalho para a diretoria do clube, fazia gols. Ele reclamava de todos os companheiros e chegava na concentração de madrugada após longa noite de festas, porém não parava de balançar as redes adversárias. Foram 204 gols em 233 jogos, desde 1940. Sustentado em seus gols, o Botafogo fez excelentes campanhas nos Estaduais, sendo tetra-vice em 44/45/46/47. Mesmo que, tecnicamente, alcançar um segundo lugar nos disputadíssimos Campeonatos Cariocas da década de 40 fosse um bom resultado, esta sequência de vices deixou a torcida irritada e a diretoria do clube decidiu tomar uma medida drástica. Presidido pelo lendário Carlito Rocha o clube vendeu Heleno para o Boca Juniors (ARG) no início de 1948. Os excessos de sua personalidade forte forçaram os diretores a tomar esta decisão, mas é inegável que foi com o coração na mão que optaram por sua saída. O drama não parou por aí. Na estréia do Botafogo no Carioca de 1948 contra o São Cristóvão, em General Severiano, o Glorioso levou uma goleada de 4 a 0. Heleno estava aos prantos no estádio e a torcida não parava de gritar seu nome. Após a partida todos os botafoguenses estavam com medo do restante do torneio. Eles se perguntavam: “Será sempre assim, sem Heleno?”. Deixem-me corrigir a tempo. Não eram todos os alvi-negros que estavam temerosos. Um em especial era a confiança em pessoa. Carlito Rocha. Em meio a turbulência pela goleada sofrida ele exclamou: “O Botafogo não perde pra mais ninguém e vai ser campeão!”.

Na fatídica estréia o Botafogo não contou com 3 jogadores que estariam presentes em todos os jogos restantes do torneio. Seria por confiar nestes jogadores que Carlito acreditava tanto em sua equipe? É inegável que se tratavam de jogadores incomuns. Um deles era um jovem de extrema categoria, recém chegado ao clube, chamado de Santos. Os zagueiros da época eram, com raras exceções, dotados apenas de força física. Habilidade, domínio de bola e classe, não eram requisitos para um defensor, mas eram o algo a mais que Santos possuia. O jovem de 23 anos, começou a jogar em posições ofensivas (como ponta ou meia) devido a sua categoria, mas foi parar na defesa por conselho de Carlito Rocha: “Esqueça o ataque, rapaz. Na defesa, você será campeão carioca, brasileiro e sul-americano.”.* Será que Carlito acertou em seu conselho? Bem, acho que todos acreditarão que sim quando eu informar que o primeiro nome do jovem de quem falamos é Nílton.

Os outros dois desfalques na goleada sofrida eram, diferente de Santos, experientes. Na proteção da defesa, jogando na meia-cancha, estava Osvaldo Ávila. Nome imponente para um jogador imponente. Sua cor negra e seu porte físico privilegiado o fizeram ser chamado de “King Kong”. Mas não pensem vocês que ele era um bruto em campo. Seus longos lançamentos faziam a alegria dos seus companheiros atacantes e da torcida. Além de tudo, sabia como poucos ser campeão. Chegava ao Botafogo após nada menos do que seis títulos gaúchos (41/42/43/44/45/47) conquistados com o Internacional, time conhecido na época por “Rolo Compressor”. Já para o ataque, o Botafogo conseguiu a melhor solução para o problema que era substituir Heleno. Uma vez mais Carlito Rocha mostrou entender de futebol contratando o recém dispensado pelo Flamengo, Pirillo. No início da década, Pirillo realizou com sucesso uma tarefa semelhante a que teria no Botafogo. O Flamengo havia vendido seu maior ídolo, e para muitos o melhor jogador brasileiro na época, Leônidas da Silva. Pirillo assumiu o lugar de goleador do Flamengo com competência, conseguindo, em 1941, o recorde de 39 gols em uma edição do Campeonato Carioca. Conquistou além de gols, títulos, sendo tri-campeão carioca (42/43/44) com o rubro-negro da Gávea. Para os dirigentes do Flamengo, que o dispensaram, era apenas um jogador velho e acabado, já para os alvi-negros era a esperança.

Não possui apenas um motivo, mas o fato é que o Botafogo começou a se tornar imbatível. O time passou a ganhar de tudo que era maneira. Eram vitórias arrasadoras, contundentes ou dramáticas. Um dos jogos mais marcantes da campanha, acreditem, foi contra o Olaria na rua Bariri. Uma chuva torrencial deixava o gramado como um verdadeiro pântano. Faltando menos de 20 minutos para o fim da partida, o Glorioso perdia para o anfitrião por 3 a 1. Buscando forças de um lugar que ninguém sabe onde, Otávio marcou dois gols e Pirillo sacramentou a vitória por 4 a 3. A arrancada do Glorioso envolveu desde a superstição do presidente Carlito Rocha até a capacidade do treinador Zezé Moreira de montar uma forte equipe. Para Carlito nada que ajudasse o Botafogo passava despercebido e a maior prova disso foi o cãozinho Biriba. Um jogo dos aspirantes do Botafogo contra os aspirantes do Madureira tinha como placar 9 a 2 para o alvi-negro, quando o décimo gol botafoguense aconteceu. Eis então que, após esse tento, um cachorro preto e branco entra no gramado de General Severiano para comemorar com os jogadores. Pronto! Foi o suficiente para Biriba( nome do canino ) se tornar mascote da equipe e estar sempre presente nos jogos seguintes. Como a sorte só ajuda quem trabalha, o treinador Zezé Moreira trabalhou, e muito, para montar a equipe. Zezé conseguiu colocar as três peças, que não haviam atuado na estréia, em perfeita sintonia com quem esteve em campo no primeiro jogo. Faltava apenas um confronto para a profecia de Carlito Rocha se concretizar. Após sua previsão o Botafogo chegava para a última partida com apenas aquela derrota para o São Cristóvão, 2 empates e 16 vitórias. O adversário final era o mais difícil possível. O duelo seria contra o Vasco da Gama conhecido como “Expresso da Vitória”.

No Campeonato Carioca de 1947, o Vasco havia se tornado campeão com incríveis 17 vitórias e 3 empates. Este fato já seria o suficiente para mostrar a força da equipe cruzmaltina, porém devemos ainda falar que, para o torneio de 1948, o Vasco contava com a volta de Ademir Menezes, que nos últimos 2 anos havia atuado pelo Fluminense . O Queixada, como ele era conhecido pelo seu queixo grande, era um atacante diferenciado. Apesar de sua impressionante capacidade de conclusão, que o faria ser, em 1950, o maior artilheiro brasileiro em uma única edição da Copa do Mundo com 9 gols, Ademir tinha como principal arma suas arrancadas. Quando partia em seu rush era imparável e tinha a capacidade de, sozinho, levar defesas inteiras a loucura. O atacante retornou ao Vasco no começo do ano, a tempo de participar de uma das maiores conquistas da história do clube.

No início de 1948 ocorreria, no Chile, o Torneio Sul-Americano de Clubes. Era uma competição entre clubes do Continente exemplarmente criteriosa, sendo chamadas por muitos de “embrião da Taça Libertadores”. O Vasco foi indicado pela Confederação Brasileira de Desportos como último Campeão Carioca, já que nosso país não possuia competição de caráter nacional. Um torneio dificílimo contra os nossos vizinhos, que terminou com um empate de 0 a 0 com o legendário River Plate de Di Stefano. Nesta partida decisiva contra os argentinos o Vasco necessitava apenas do empate para se sagrar campeão ( a primeira conquista internacional de uma equipe brasileira, clube ou seleção, no exterior ) e quem garantiu o resultado foi o incrível Barbosa, defendendo até pênalti. Barbosa foi para muitos o maior goleiro do nosso futebol. Completo para a posição, sabia jogar debaixo das traves, era impecável nas saídas do gol e uma muralha na hora de defender um pênalti. A idiota mania de muitos brasileiros em sempre querer achar um culpado para qualquer derrota, transformou Barbosa em sinônimo de pé-frio por ter sofrido o gol que tirou o título mundial do Brasil, na Copa do Mundo de 1950, em pleno Maracanã.

A equipe que possuia Barbosa em um pólo e Ademir Menezes em outro, passava ainda por muitos craques da bola. O zagueiro Augusto era o sinônimo de autoridade, tamanha sua liderança e combatividade. Não por coincidência, teve que largar a Polícia Federal para se tornar jogador. O meia Danilo era tão clássico e elegante que era conhecido como “Príncipe Danilo”. Na ponta-esquerda um dos jogadores com maior garra, vontade e raça que já vestiram a camisa cruzmaltina, o valente Chico. Na outra ponta do ataque, a direita, o veloz e incisivo Friaça, que era garçom e artilheiro com a mesma maestria. Vamos ser sinceros? Era uma seleção com uniforme de clube. O Botafogo não teria pela frente um monstro de 7 cabeças, mas sim um monstro de 11 cabeças, pois todos os jogadores vascaínos eram feras. O Rio de Janeiro iria parar para ver o duelo entre dois gigantes alvi-negros. De um lado um fortíssimo Botafogo querendo mostrar seu valor e do outro o “Expresso da Vitória” querendo mais uma conquista.

Era ainda manhã quando em General Severiano não cabia mais uma formiga de tão lotado que estava. Apesar de no papel e no currículo o Vasco parecer ser um time melhor, todos esperavam uma verdadeira batalha em campo. Para manter a tradição de que em toda batalha surge uma lenda, os vascaínos até hoje reclamam do tratamento recebido no estádio adversário. Antes mesmo do apito inicial os jogadores cruzmaltinos já se sentiam prejudicados. Eles são unânimes ao dizer que o vestiário cedido a eles havia sido pintado pela manhã com cal virgem, irritando assim os olhos de todos presentes naquele recinto, os vasos sanitários estavam entupidos e faltava água. E tem mais! Durante a entrada das equipes em campo, o goleiro Barbosa acusou os torcedores botafoguenses de se aproveitarem do frenesi para jogar uma chuva de pó-de-mico na equipe do Vasco. Após o árbitro Mário Vianna iniciar a partida, foi possível presenciar uma disparidade física poucas vezes vistas entre duas fortes equipes. O Botafogo voava em campo enquanto o Vasco parecia passear pelo bosque. Quem se aproveitou da lentidão vascaína foram os pontas do Botafogo, Braguinha e Paraguaio. Com menos de dois minutos Braguinha cruzou da esquerda e Paraguaio de cabeça sacudiu o filó. Antes do final da etapa, os papéis se inverteram. Jogada linda de Paraguaio pela direita e gol de Braguinha. O Vasco torcia para chegar logo o intervalo e esfriar o ímpeto botafoguense. Com 2 a 0 no placar, veio o intervalo e junto com ele mais uma história. De acordo com Ademir Menezes, a água e o cafézinho servidos ao Vasco no vestiário continham drogas. Como justificativa, os vascaínos dizem que o único jogador a não se sentir “estranho” foi Eli, justamente o que só ingeriu uma laranja que ele mesmo trouxera. O 2º tempo se iniciou como o primeiro, com gol do Fogão. Após belo passe de Braguinha, o goleador Otávio marcou seu gol de número 21 no torneio, se igualando na artilharia ao Orlando, do Fluminense. Apareceu então o sinal verde de esperança para os vascaínos. O zagueiro do Botafogo Gérson saiu contundido aos 11 minutos e, como não havia substituições na época, o Botafogo atuaria com 10 homens até o final. De nada adiantou ao Vasco ter um jogador a mais. Se o touro Eli corria por dois, precisaria correr por 10. A equipe de São Januário estava tão inofensiva que quem teve que marcar seu gol de honra foi o volante botafoguense Ávila, ao desviar a bola para a própria rede. Com o Vasco sem forças para reagir, o jogo foi tranquilo para o Botafogo até o apito final do juiz. Placar final: Botafogo 3 x 1 Vasco. Fogão Campeão Carioca de 1948.

Seriam os dirigentes botafoguenses capazes de preparar verdadeiras armadilhas para conter o “Expresso da Vitória”? Os conceituados craques vascaínos mentiriam para justificar uma derrota? Nunca saberemos o que realmente ocorreu fora das quatro linhas. Dentro do campo, porém, foi um verdadeiro show do Glorioso. De forma sensacional, com muito trabalho e superstição, o Botafogo conquistou um torneio que se iniciava como um pesadelo. Se o time começou o ano perdendo um grande ídolo, terminou ganhando um belíssimo troféu.

Botafogo 3 x 1 Vasco
12 de dezembro de 1948
General Severiano – Público: 18321 pagantes
Gols: 1º tempo: Paraguaio ( Bot ) aos 2´ e Braguinha ( Bot ) aos 40´; 2º tempo: Otávio ( Bot ) aos 5´ e Ávila ( Bot ), contra, aos 15´.
Botafogo: Osvaldo Baliza; Gérson e Santos; Rubinho, Ávila e Juvenal; Paraguaio, Geninho, Pirillo, Otávio e Braguinha
Vasco: Barbosa; Augusto e Wilson; Ely, Danilo e Jorge; Friaça, Ademir Menezes, Dimas, Ipojucan e Chico

* Botafogo - Entre o céu e o inferno - Sérgio Augusto

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