domingo, 19 de abril de 2009

Grandes Clássicos - Botafogo x Flamengo 1989

Grandes Clássicos - Botafogo x Flamengo 1989

Olá amigos do FUTEBOLA!

Chegamos à final da Taça Rio e, caso o Botafogo vença o Flamengo, será considerado Campeão Estadual ao apito final deste jogo. Com certeza o Maracanã estará lotado e uma festa, assim como em 1989 quando estes dois times chegaram à decisão do Carioca. Mas naquele ano, existia um agravante. O Fogão não conquistava um título havia mais de duas décadas. Divirtam-se recordando ou conhecendo, esta grande história do nosso futebol.

O Campeonato Carioca de 1989 se iniciava, devido às edições anteriores, com dois favoritos. Os últimos 3 torneios haviam sido decididos por Flamengo e Vasco, sendo o rubro-negro campeão em 1986 e o cruzmaltino Bi-campeão em 1987/1988. Para a última competição estadual da década de 80, tudo parecia caminhar para a mesma direção.

O Flamengo contava em seu elenco com jogadores que seriam importantes para o Brasil conquistar o mundo. Isso mesmo! Na Copa do Mundo de 1994, o Brasil estreou contra a Rússia contando com Jorginho, Aldair, Leonardo, Zinho e Bebeto, todos eles atletas rubro-negros que disputariam o Carioca de 1989. Eram atletas maduros o suficiente para vestirem a camisa do Flamengo sem sentir o peso. Todos eles haviam participado da campanha em que o Flamengo conquistou a Copa União de 1987 e Bebeto, inclusive, marcara o gol do título, na final contra o Internacional. Em 1989 Bebeto já era um dos maiores jogadores do país, constantemente convocado para a Seleção Brasileira. Era um jogador com inúmeras qualidades ofensivas, sendo quase impossível destacar sua maior virtude. Veloz, habilidoso, técnico e letal, fazia qualquer zagueiro perder o sono nas vésperas de enfrentá-lo. Também não podemos esquecer quem ainda era o camisa 10 da Gávea. Mesmo tendo sofrido uma série de contusões desde seu retorno do futebol italiano em 1985, Zico era peça essencial desta engrenagem rubro-negra. Era ele quem explorava a capacidade ofensiva dos laterais Leonardo e Jorginho, quem cobrava com perfeição as faltas sofridas por Bebeto, quem municiava os impetuosos Zinho e Alcindo, quem ditava o ritmo do jogo e, o mais óbvio, quem fazia o adversário tremer. E tem mais! O treinador que comandava esse time de craques era ninguém menos do que Telê Santana, que sabia extrair cada gota de ofensividade dos seus jogadores.

O Vasco também possuía uma ótima equipe que buscava nada menos que o título de Tri-campeão. O confiável goleiro Acácio, os excelentes laterais Paulo Roberto e Mazinho, o seguro volante Zé do Carmo e o meia, que era a classe em pessoa, Geovanni, eram exemplos da força vascaína. Ao longo da Taça Guanabara, porém, o Vasco mostraria pouca inspiração ofensiva, talvez sentindo falta de Romário, recém-negociado com o PSV da Holanda, deixando o Flamengo conquistar o título do turno e terminando apenas na 3ª colocação. Quem, na realidade, foi a sombra do time da Gávea em toda a Taça Guanabara foi o Botafogo.

O Glorioso estava vivendo um momento delicadíssimo em sua história. Desde 1968 o clube não conquistava um único título (com exceção de turnos estaduais). Eram mais de 20 anos sem levantar um troféu, mas durante este período o alvi-negro chegou perto várias vezes. Em 1971, o Botafogo era um verdadeiro esquadrão que contava com Brito, Carlos Alberto Torres, Jairzinho e Paulo César Caju e perdeu a final do Carioca para o Fluminense, com um gol aos 43 minutos do 2º tempo. Em 1976 o Fogão chegou a se classificar para o quadrangular final do Estadual, com os craques Marinho Chagas e Mário Sérgio, mas não segurou a força da “Máquina Tricolor”. Já contando em seu elenco com o genial meia Mendonça, o alvi-negro terminou o Brasileiro de 1977 em 5º lugar, sem perder um único jogo, e em 1981, foi eliminado pelo São Paulo na semi-final do torneio nacional, após estar vencendo a partida por 2 a 0.

Agora que conhecemos o momento vivido pelo Botafogo em 1989, vamos entender como o elenco para a disputa do torneio foi montado. Em 1986, Emil Pinheiro, que era um, digamos, “empresário” do jogo do bicho, assumiu um cargo importante da diretoria botafoguense e iniciou uma série de investimentos para fortalecer a equipe alvi-negra. Uma história lendária que ocorreu com Seu Emil, como era carinhosamente chamado, foi envolvendo o então presidente de honra do Bangu, Castor de Andrade, “empresário” do mesmo ramo. A lenda diz que, em 1988, Castor estava necessitando de dinheiro. Foi então que Emil ofereceu nada menos que 400 mil dólares por Marinho, Mauro Galvão e Paulinho Criciúma, os três destaques do forte time do Bangu. A negociação foi concretizada em uma boate com capangas presentes por todos os cantos e Castor de Andrade havia levado até uma máquina de contar dinheiro. Não se sabe se a história é verdadeira, mas o fato é que o trio do Bangu realmente foi atuar no Botafogo.

O extraordinário ponta Marinho, que em 1985 recebera o prêmio Bola de Ouro (dado pela revista Placar ao melhor jogador do Campeonato Brasileiro naquele ano), nunca mais conseguiu reeditar suas memoráveis atuações após a dramática morte de seu pequeno filho, afogado em sua própria piscina, no ano de 1988, e rapidamente retornou ao Bangu. Já Mauro Galvão e Paulinho Criciúma seriam os pilares da equipe botafoguense em 1989. Mauro Galvão conhecia o gostinho de conquistar títulos, afinal havia sido Campeão Brasileiro, invicto, em 1979, e Tetra-campeão Gaúcho (81/82/83/84) pelo Internacional. Era um zagueiro diferenciado, de extrema categoria, e que sempre saía para o jogo com qualidade. Já Paulinho Criciúma seria o líder técnico que o Botafogo teria em campo. Ao mesmo tempo em que armava ótimas jogadas ofensivas, possuía uma grande capacidade de finalização (era excelente cabeceador). Seus dotes ofensivos não o impediam de se entregar em campo para ajudar a equipe na marcação, o que o fez um espelho para os seus companheiros. Pode-se falar também que, tanto Mauro Galvão, quanto Paulinho Criciúma, encontraram os parceiros ideais no Botafogo.

Sempre que Mauro Galvão partia para uma arrancada ofensiva, podia ir tranquilo pois sabia que a defesa estaria entregue em boas mãos com Wilson Gottardo a protegendo. Zagueiro imponente, Gottardo possuía como principais características um vigor físico impressionante e grande capacidade de liderança. No campo ofensivo, bastava Paulinho Criciúma olhar para o lado direito que sempre encontraria seu parceiro Maurício esperando uma bola para usufruir de sua grande agilidade e velocidade. Para comandar o alvi-negro no Carioca de 1989, chegou o Campeão Mundial Interclubes de 1983, com o Grêmio, Valdyir Espinosa. Espinosa soube armar uma equipe com solidez e homogeneidade impressionantes e cada jogador sabia, exatamente, o seu papel dentro das quatro linhas. Mauro Galvão, como citado anteriomente, podia tranquilamente participar de jogadas ofensivas, que a defesa não ficaria desguarnecida. Os laterais adversários sempre eram muito bem marcados pelos pontas alvi-negros Maurício e Gustavo (reparem que até hoje em dia, 20 anos após esta equipe ser formada, esta tática de pontas marcadores causa um certo espanto). Nenhum “camisa 10” adversário teria vida fácil frente aos cães de guarda Luisinho e Carlos Alberto. E a principal qualidade tática da equipe era saber jogar, muito bem, nos contra-ataques.

O Flamengo havia conquisado a Taça Guanabara de maneira invicta, mostrando um poder ofensivo monstruoso (30 gols marcados em 11 jogos). Se o primeiro turno serviu para garantir o time de Zico e Bebeto na final do Estadual, encheu o torcedor botafoguense de esperança, afinal a equipe terminara a Taça Guanabara também de maneira invicta e, se não teve um ataque tão avassalador quanto o rubro-negro, sua defesa sofreu apenas 3 gols. As fichas do Botafogo seriam jogadas na Taça Rio, o 2º turno, que também valia uma vaga na final da competição. Logo na terceira rodada da Taça Rio, o Fogão deu mostras de que brigaria com toda sua força pelo título, no duelo contra o Flamengo. O rubro-negro vencia por 3 a 1 até os 36 minutos do 2º tempo, quando o seu jovem zagueiro Gonçalves (aquele mesmo que mais tarde faria história no Botafogo) marcou um golaço contra, ao encobrir o goleiro Zé Carlos. Mesmo faltando pouco tempo para o final e com os jogadores cansados pelo estado encharcado do gramado, o Botafogo não desistiu e, após lindo lançamento de Mauro Galvão, Vítor, aos 42 minutos, decretou o empate em 3 a 3. A equipe do Botafogo seguiu seu caminho, até a última rodada, vencendo os times considerados pequenos e empatando com Vasco e Fluminense. Na rodada derradeira, um tropeço ao empatar em 0 a 0 com o Bangu poderia ter tirado o título da Taça Rio do Botafogo, porém o Vasco venceu o Flamengo e impediu que o rubro-negro conquistasse o título de maneira antecipada, por levar os dois turnos.

O torneio, então, seria decidido por Flamengo, vencedor da Taça Guanabara, e Botafogo, vencedor da Taça Rio, em uma melhor de quatro pontos (na época a vitória valia 2 pontos) e, por ter melhor campanha total, o alvi-negro entrou na decisão com 1 ponto de vantagem. O primeiro jogo decisivo terminaria empatado sem gols, com Zico muito bem marcado por Luisinho e Paulinho Criciúma com a pontaria fora do eixo. O empate aproximou ainda mais o Botafogo de um título que não conquistava havia 21 anos, pois agora bastaria ao Fogão uma vitória no jogo seguinte. E esse era o maior problema do alvi-negro: vencer um clássico. Desde 1986 o Botafogo não vencia um dos seus tradicionais rivais cariocas e, neste Estadual, havia obtido 7 empates em 7 jogos. Será que chegava a hora do fim do jejum? Ou melhor, chegava a hora do fim dos jejuns?

No dia 10 de junho de 1989 o Maracanã estava lotado e era possível se observar um fato curioso. Este era um dos raros dias em que a torcida do Flamengo não estava em maior número, numa decisão envolvendo o time. Os botafoguenses, loucos por um título, faziam uma festa maravilhosa no “Maior do Mundo” e passavam toda a confiança para sua equipe. A entrada dos times no gramado, quase que simultaneamente, fez o estádio ganhar vida. Bandeiras tremulavam, o barulho dos fogos era canção no ouvido dos torcedores e papéis voando completavam o cenário espetacular que precedia a decisão. Com o apito inicial, pôde-se ver um jogo pegado no meio-de-campo, com o Botafogo tendo armado uma verdadeira muralha na sua intermediária. A partida foi assim, morna, até os 15 minutos, quando o Flamengo teve uma falta nas proximidades da área alvi-negra. Zico pegou a bola para cobrança e corações aceleraram, porém o tiro foi fraco e o goleiro Ricardo Cruz defendeu facilmente. Esse lance poderia ser o primeiro de muitas oportunidades de gols, mas não foi o que ocorreu. Com exceção de um bom contra-ataque botafoguense, após bela roubada de bola do experiente lateral-direito Josimar, e um chute para fora do rubro-negro Alcindo, o jogo continuou fechado no meio-campo. Era o claro duelo entre a técnica flamenguista, que tentava abrir espaços com a qualidade dos passes, e a força alvi-negra, que bloqueava qualquer caminho que levasse à Ricardo Cruz. Aos 37 minutos, mesmo com tudo fechado, o Flamengo conseguiu uma grande chance de abrir o placar. O lateral-esquerdo Leonardo, vendo os espaços em sua frente interditados, cruzou da intermediária a bola para Bebeto que, mesmo marcado, conseguiu cabecear para monumental defesa de Ricardo Cruz. O jogo caminhava para o intervalo, quando o destino resolveu dar as caras. O ponta Gustavo contundido foi substituído por Mazolinha. Por falar em ponta, um fato envolvendo o outro ponta botafoguense, Maurício, viria a tona posteriormente. Maurício havia passado toda a manhã do jogo com muita febre e chegara a pedir para não ser relacionado, porém os próprios jogadores o fizeram mudar de idéia. Muito sumido em campo durante o 1º tempo, também pela falta de ofensividade de sua equipe, Maurício falou para o treinador Espinosa, no intervalo, que sentia estar prejudicando o time e queria sair. Espinosa respondeu que tiraria qualquer um de campo, menos Maurício, já que havia sonhado que este seria o autor do gol do título.

O Botafogo voltaria para o 2º tempo com Mazolinha e Maurício em campo, porém o fato que animou a torcida alvi-negra foi o gesto de Zico pedindo substituição. Antes de sair, o Galinho ainda fez muitos torcedores prenderem a respiração ao cobrar uma falta que passou raspando a meta de Ricardo Cruz. Não foram poucos os suspiros de alívio após ser concretizada a saída de Zico para a entrada de Marquinhos. E este alívio botafoguense não duraria nem 1 minuto e já seria transformado em euforia. Aos 12 minutos do 2º tempo, a jogada que entraria para a história do futebol carioca. Mazolinha recebe passe na esquerda e arranca para cima de Jorginho. Antes de alcançar a linha de fundo, a bola é cruzada na direção de Maurício que, com um leve empurrão, desloca a marcação de Leonardo e estica a perna para mandar a bola pro fundo das redes. Era dia 21. O termômetro do Maracanã apontava 21 graus. O gol ocorreu aos 12 minutos (21 ao contrário). O passe foi do número 14 Mazolinha e o gol do número 7 Maurício (14 + 7 = 21). O cruzamento foi o 21º realizado durante o jogo. E tudo isto pôs fim ao jejum de 21 anos sem títulos do Botafogo. Dá pra entender por que os botafoguenses são tão supersticiosos, né?

Após o histórico gol de Maurício, o Flamengo não teve forças para buscar o empate. Talvez pela ausência de Zico, talvez pelo fato de a torcida do Fogão parecer ter entrado dentro de campo, o fato é que o alvi-negro criou mais chances de ampliar, do que o Flamengo de empatar o placar. Na mais perigosa chance criada pelo Botafogo, Maurício tocou para Paulinho Criciúma no meio-campo, que lhe devolveu a bola em profundidade na ponta-direita. O número 7, fazendo jus à camisa de Garrincha que vestia, entortou dois marcadores e cruzou a bola com perfeição na cabeça de Paulinho Criciúma, que caprichadamente mandou a pelota no travessão. Realmente estes dois se davam muito bem. A torcida alvi-negra que não parava de gritar desde o gol marcado, arrumou uma maneira de fazer ainda mais barulho após o apito final do árbitro. Fim de jogo. A alegria que envolvia torcedores, jogadores, técnico, diretores, e todos os botafoguenses pelo país, era algo indescritível. No biênio 1967/1968, o Botafogo foi Bi-campeão Carioca contando com um dos maiores times do mundo. Nesta época, milhões de crianças e jovens decidiram bordar em seus corações, uma estrela solitária. Crianças viraram jovens sem comemorar um título. Jovens viraram adultou sem nunca gritar "É Campeão!". Foram mais de duas décadas que esta estrela, em cada coração alvi-negro, deixou de brilhar, mas após o gol de Maurício, todos se lembraram o imenso prazer de ser Botafogo.

Botafogo 1 x 0 Flamengo

21 de junho de 1989

Maracanã – Público: 56412 pagantes

Gol: 2º tempo: Maurício (Bot) aos 12´.

Botafogo: Ricardo Cruz; Josimar, Wilson Gottardo, Mauro Galvão e Marquinhos;
Carlos Alberto Santos, Luisinho e Vítor; Maurício, Paulinho Criciúma e Gustavo (Mazolinha). Técnico: Valdyr Espinosa.

Flamengo: Zé Carlos; Jorginho, Aldair, Zé Carlos Nascimento e Leonardo; Aílton, Renato Carioca e Zico (Marquinhos); Alcindo (Sérgio Araújo), Bebeto e Zinho. Técnico: Telê Santana.

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