domingo, 2 de setembro de 2012

GÊNIOS DAS PALAVRAS - COELHO NETO


A crônica abaixo foi escrita por ninguém menos do que Coelho Neto, quando da excursão do Paulistano para a Europa, a primeira realizada por um clube brasileiro ao “Velho Continente”. A partida em questão foi a primeira do Paulistano em gramados europeus, uma histórica vitória de virada. Divirtam-se com tão mágicas palavras.

O Club Athlético Paulistano entrou com o pé direito em Paris. No princípio do jogo, com o pé no lodo, como se achou, meteu os pés pelas mãos não fazendo mais do que cair, não só no chão enlameado, como no ridículo.

A assistência, diante de tantos e tão seguidos trambolhões, rompeu em assuada vendo que os nossos rapazes, mais do que a bola de couro, andavam no campo aos boléus. De repente, porém, a um brado enérgico do capitão, que via as coisas em mau pé, puseram-se todos os do grupo firmes, tomando pé e começou desde logo a investida.

Ponta pé na bola, era gol na certa e, do pé para a mão, os já vaiados com o “vae vitis” passaram a ser aplaudidos e aclamados como senhores da situação. E não houve mais por-lhes o pé adiante.

Tão ágeis se mostravam os jogadores nos passes e arremessos que, aos franceses maravilhados, parecia que os pés que por ali andavam não eram de homens, mas de vento, principalmente os de Friedenreich que valiam por dois ciclones.

E a França, por mais que se esforçasse, fazendo finca-pé para não ser levada de vencida, não teve senão render-se, ficando aos pés do Brasil que, desta vez provou, e perante juízes íntegros de várias nacionalidades, constituindo um Conselho Superior de Nações ou Liga, como agora se diz em estilo jarreteiro, que o Brasil sabe pelo menos onde põe o pé.

Aquilo mesmo das escorregadelas e trambolhões iniciais tenho, para mim, que foi um ardil ou truque dos rapazes, um meio astuto de esconder o jogo no começo para dar maior brilho à vitória final.

Assim entraram fazendo corpo mole, pisando em pés de lã para às súbitas, darem aquela formidável rasteira pondo em pantana o famoso selecionado com o escore de 7 x 2.

O que muitas das tais embaixadas diplomáticas, que nos custam os olhos da cara, não conseguiram fazer com a cabeça, com as mãos e até com a língua, araviando discursos simpáticos, realizaram em hora meio os rapazes, e brilhantemente, com os pés.

O Brasil tem hoje um pé na Cidade Luz, é o pé do Paulistano, e por esse pé fica o mundo conhecendo o valor do colosso sul americano como, segundo o adágio, pelo dedo se conhece o gigante.

Ora, sendo o pé do corpo, pode o Brasil dizer ufano que está com os alicerces de sua glória firmados no poleiro de Chantecler, podendo doravante cantar de galo ele que, até bem pouco, nem como pinto piava.

Dirão, agora, as más línguas – e elas são tantas e afiadíssimas, prontas sempre a nos cortarem a pele, que esse jogo foi o pé de que se serviu o Brasil para tornar-se mundialmente conhecido.

Mas não foi ele o único que entrou de pés nas terras europeias.

Os uruguaios impuseram-se nas Olimpíadas pelos pés e os argentinos vão também pisando louros no velho Continente e, onde quer que apareçam sul-americanos, não há quem resista de pé aos chutes que os tornou famosos.

Está a questão neste pé, felizmente esportivo e não de guerra, e os franceses sentidos das derrotas que lhes têm infligido nos seus próprios campos os bárbaros cá desta banda, estudam meios de descalçar a bota que lhes aperta o calo de amor próprio, calo que deve doer como mil diabos.

Pode ser que consigam alguma coisa, mas os nossos, que não põem pé em ramo verde, estão tratando de melhorar o time, substituindo nele certos jogadores que reputam fracos. É o que se chama um remonte.

Eu, capitão do time, não consentiria na mudança deixando as coisas no mesmo pé, porque esse, enfim, já conhece o terreno em que vai pisar, daí... Quem anda a pé e que sabe onde lhe aperta o sapato.

A França não contava com o resultado do jogo e quando os brasileiros tiraram o pé do lodo marcando sete gols contra dois, a surpresa foi grande.

Conhecesse ela o refrão dos nossos maiores que diz: Debaixo dos pés se levantam desastres, e certo não cantaria vitória antes do tempo, guardando o riso e a vaia para depois da fritura dos ovos.

Mas o que passou, passou. A verdade é que conseguimos por os pés em Paris... tratemos agora de entrar com o resto do corpo e de cabeça.

Crônica retirada do livro “Os Reis do Futebol”

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