segunda-feira, 21 de julho de 2014

CENTENÁRIO DA SELEÇÃO BRASILEIRA


Não é todo dia que se completam cem anos, mas confesso que ainda estou na dúvida se a hora é boa para comemorar. Sei que tenho muitas coisas maravilhosas para relembrar, mas faz menos de duas semanas que eu passei pela maior vergonha de minha história, numa baita festa que dei aqui em casa, com convidados de todos os cantos do planeta. Estou abalada e triste. Na vida, às vezes a gente acaba na mão de pessoas egoístas e aproveitadoras, e é assim que me sinto neste momento, cheia de sanguessugas presas no meu corpo. Quer saber, é melhor mesmo buscar o passado na memória.

Parece que foi ontem que nasci, no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Dizem que foi uma festona muito animada e que o pessoal foi embora com gostinho de quero mais. Minha primeira grande lembrança vem de quando eu tinha quase cinco anos, em 1919. Que loucura aquele encontro nas Laranjeiras com meus amiguinhos sul-americanos. Foi ali que eu comecei a descobrir o meu enorme dom para fazer as pessoas sorrirem. Quando eu era criança, na década de 20, alguma coisa dentro de mim me dizia um dia eu seria mundialmente conhecida.

Nos anos 30 e 40 eu já viajava pra tudo quanto era lado. Nunca vou me esquecer dos dias que passei na França, em 1938. Pela primeira vez me senti livre para voar. E voei longe! E acho que iria ainda mais longe se não fosse a Segunda Guerra Mundial, mas fazer o quê? Aí chegou o tal do ano de 1950. Diferente do que muitos pensam, não tenho problemas em falar dele. Não vou negar que às vezes me pego pensando naquele silêncio todo e choro. É difícil sentir na própria pele uma descida tão rápida do céu ao inferno, mas são cicatrizes assim que formam uma pessoa melhor. E, afinal, não dizem que a vida começa mesmo depois dos 40?

Que bom que decidi relembrar o passado. Não sei se fico mais arrepiada com o espetáculo que eu dei em 1958, 1962 ou 1970. Um em cada canto de um mundo que não se cansava de me aplaudir. Até consagrada como símbolo de arte eu fui! A felicidade que eu proporcionava para o meu país era tão grande que até os políticos tentaram tirar uma casquinha do meu sucesso. Sem dúvidas eu vivi mágicos momentos na década de 80, mas nada que se compare à minha Era de Ouro, quando me sentia uma majestade, me sentia a alegria do povo.

De 1990 pra cá eu venho me sentindo menos artística. Tenho lembranças maravilhosas dos meus shows nos Estados Unidos, em 1994, e no Japão e na Coreia do Sul, em 2002, mas as pessoas não tiram da memória os meus anos dourados e às vezes pegam exageradamente no meu pé. Mas eu entendo as críticas. Sei que boa parte da cobrança vem de quem conhece o meu potencial e só quer o melhor para mim. O problema são estas sanguessugas presas no meu corpo, que só querem saber de me usar.

Se eu pudesse fazer um desejo... Opa, eu posso! Hoje é o meu aniversário de 100 anos! Agora me empolguei! Vou sair para comprar um bolo e cem velinhas. Na hora de cantar parabéns, vou apagar cada uma delas bem devagarzinho e desejando com todas as minhas forças que estas sanguessugas saiam para sempre do meu corpo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário